Introdução
Scrapie é uma das chamadas encefalopatias espongiformes transmissíveis e atinge especificamente os ovinos e os caprinos. Desse grupo de enfermidades, é a conhecida há mais tempo, com registros de mais de duzentos anos na Europa, onde permanece endêmica. É considerada de notificação obrigatória desde 1993 e ainda tem a etiologia em estudo. Há controvérsias sobre o causador da enfermidade, mas sabe-se que é transmissível e tem relação com certos genótipos (OIE, 2004).
Etiologia
O agente etiológico da enfermidade ainda não foi definido e é fruto de variados debates na comunidade científica. Estudos revelaram a importância da proteína denominada príon no desenvolvimento da doença. Alguns autores afirmam que a mesma é o próprio agente etiológico, mas há grande discordância sobre isso. Sendo ou não o agente, o príon está intimamente relacionado com o desenvolvimento da patologia (Ebringer et al., 2005, Manuelidis, 2006).
A proteína (PrPC) é encontrada naturalmente no organismo, sem que sua função seja bem definida. Nesse estado, a mesma exerce suas funções normalmente, aparentemente protegendo a célula do stress de divisões celulares sucessivas e de condições especiais como oxidantes (Roucou et al., 2005). A forma variante da mesma, PrPsC, é a causadora dos sintomas. Segundo a teoria mais aceita, a forma mutante da proteína serve como molde para induzir à mudanças na conformação de PrPC. Essa nova forma passa então a ficar acumulada no organismo na forma de placas amilóides sem que as enzimas possam combatê-las ou que seja reconhecida pelo sistema imunológico. Os espaços gerados por essas placas geram um aspecto esponjoso ao tecido que dá o nome ao grupo de enfermidades (Pruisner, 1982).
O prion não é destruído por detergentes e é resistente a outros métodos de desinfecção como calor, ultravioleta e radiação ionizante (Race et al., 1992).
Epidemiologia
Existem várias espécies acometidas por encefalopatias espongiformes e Scrapie é a forma específica que ocorre naturalmente em ovinos e caprinos. Ela não é considerada como indicativo de risco para o homem como ocorre na ligação entre a encefalopatia espongiforme bovina e a variante da doença de Creutzfeldt-Jakob (OIE, 2004).
A enfermidade aparentemente não é transmitida via uterina. A transmissão para a cria ocorre naturalmente pela ingestão da placenta ou fluidos alantóicos. Transfusões de sangue podem ser outra causa da transmissão. Outras excreções corporais não são infectantes (Hunter et al., 2000). Filhotes nascidos por cesariana e separados de ovinos infectados permanecem livres da enfermidade (Foote et al., 1993). Materiais contaminados que permaneceram enterrados por 3 anos ainda foram tidos como infecciosos (Brown et al., 1991). Príons liberados em solos ricos em silicatos como argila são fortemente absorvidos e podem permanecer ativos, oferecendo riscos nas pastagens (Vasina et al., 2005).
A genética animal está intimamente ligada à suscetibilidade a Scrapie. Existem genótipos mais resistentes, porém nenhum deles imune à infecção. Os sintomas clínicos e o curso da enfermidades estão ligados à genética e, portanto, à raça do animal (OIE, 2004).
Scrapie é uma enfermidade de longo prazo, progressiva e debilitante com um período de incubação de um a dois anos. Tende a ocorrer entre ovinos de dois a cinco anos, raramente afetando animais de menos de um ano de idade. Muitas vezes a enfermidade ultrapassa a vida comercial dos ovinos, sendo o animal abatido ou descartado antes que ocorra acumulação suficiente de PrPsC para manifestação dos sintomas (Hoinville, 2006).
Os primeiros diagnósticos de Scrapie no Brasil ocorreram em animais importados do Reino Unido em 1985. Todos os animais foram destruídos e as medidas sanitárias específicas foram tomadas. O mesmo evento ocorreu em 2001 com animais dos Estados Unidos. Casos nativos registrado ocorreram em indivíduos descendentes de animais importados e foram registrados em 2003, 2004 e 2006. As legislações em relação a Scrapie definidas pelo Ministério da Agricultura são as seguintes (MAPA, 2007):
- Decreto º 24.548, de 03 de julho de 1934,
- Portaria nº 516, de 09 de dezembro de 1997.
Sinais Clínicos
Os sintomas da enfermidade são bastante variáveis e levam inevitavelmente à morte. Os primeiros a serem notados são em relação ao comportamento. O animal apresenta reações anormais como parecer confuso ou ansioso e até mesmo se afastar do rebanho. Podem desenvolver um olhar fixo. Esses sinais são difíceis de serem notados, mas são seguidos por outros mais contundentes devido às manifestações neurológicas.
O prurido foi o sintoma que gerou o nome da enfermidade. O coçar compulsivo e esfregar (scraping) constante em objetos. Essa persistência gera lesões que são mais comuns na face, orelhas e membros.
A ataxia ou incoordenação é outra manifestação característica. Pode ocorrer dificuldade em coordenar os membros. O animal tropeça, cai e freqüentemente não consegue se erguer novamente nos estágios mais avançados.
Outros sintomas citados são: bruxismo, hipersensibilidade cutânea, tremores da cabeça, cegueira, polidipsia e poliúria. A perda de peso é recorrente na infecção (OIE, 2004).
Figura 1: Ovelha com lesões na parte traseira por esfregar-se continuamente
Figura 2: Caprino com incoordenação dos membros.
Diagnóstico
PrPsC tende a se acumular no cérebro e nos tecidos linfóides. Biópsias de tonsilas, mucosa retal e linfonodos mandibulares são utilizadas na imunohistoquímica para detecção do príon (considerado o padrão ouro pela OIE). Outros testes disponíveis são análise por Western blot e ELISA. Não existem testes sorológicos para a detecção da enfermidade. Métodos de detecção genéticos para seleção de indivíduos resistentes estão sendo desenvolvidos para controle e eliminação da enfermidade.
Controle
As medidas de controle para Scrapie variam segundo a situação do rebanho. As fêmeas infectadas e suas progênies devem ser eliminadas. Os machos não são relevantes no processo de transmissão da infecção, no entanto transmitem os genes de suscetibilidade para os descendentes. Aqueles testados como susceptíveis deveriam ser eliminados do rebanho. Além dessas, deve-se evitar o confinamento durante o parto e o período de amamentação. Ambientes mais limpos e higiênicos podem diminuir a suscetibilidade da infecção.
Os principais métodos de combate à enfermidade, no entanto, se dão com a eliminação dos animais doentes e substituição por genótipos resistentes.
Bibliografia Consultada
Brown P, Gajdusek DC. Survival of scrapie virus after 3 years interment. Lancet, 337, pp 269-270, 1991.
Ebringer, A., Rashid, T., Wilson, C. Bovine spongiform encephalopathy, multiple sclerosis and Creutzfeldt-Jakob Disease are probably autoimmune diseases evoked by Acinetobacter bacteria. Ann N Y Acad Sci; 1050, pp 417−428, 2005.
Foote, W.C., Clark, W., Maciulis, A., et al. Prevention of scrapie transmission in sheep, using embryo transfer. Am J Vet Res, 54, pp 1863-1868, 1993.
Hoinville L.J. A review of the epidemiology of scrapie in sheep. Rev. sci. tech. Off. int. Epiz., 15, pp 827-852, 1996.
Hunter N, Foster J, Chang A, et al. Transmission of prion diseases by blood transfusion. J Gen Virol, 83, pp 2897-2905, 2000.
Manuelidis, L. A 25 nm vírion is the likely cause of transmissible spongiform variant of goat PrP associated with resistance to scrapie. J. Cell. Biochem., v. 100, pp 897-915, 2006.
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Situação atual do Brasil frente à Scrapie. Disponível em
https://www.agricultura.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/MAPA/PROGRAMAS/AREA_ANIMAL/CRHE/SCRAPIE/SITUA%C7%C3O%20ATUAL%20DO%20BRASIL%20%20FRENTE%20%C0%20SCRAPIE.PDF. Consultado em 19/03/2008.
Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). 2004. Manual of Diagnostic Tests and Vaccines for Terrestrial Animals, OIE World Organisation for Animal Health. https://www.oie.int/eng/normes/mmanual/A_00041.htm
Pruisner, S.B. Novel proteinaceous infectious particles cause scrapie. Science, 216, pp136-144, 1982
Race R, Ernst BA, Jenny A, et al. Diagnostic implications of detection of proteinase K-resistant protein in spleen, lymph nodes, and brain of sheep. Am J Vet Res; 53, pp 883-888 1992.
Roucou, X., LeBlanc, A. C. Cellular prion protein neuroprotective function: implications in prion diseases. J Mol Med; 83, pp 3-11, 2005.
Vasina EN, Dejardin P, Rezaei H, et al. Fate of prions in soil: adsorption kinetics of recombinant unglycosylated ovine prion protein onto mica in laminar flow conditions and subsequent desorption. Biomacromolecules 2005;6, pp 3425-3432.