A criação de cabras encontra-se difundida em todo o mundo, graças às potencialidades destes animais, que desenvolveram características peculiares como capacidade de suportar períodos de estiagens, se alimentarem de espécies forrageiras nativas de clima semi-árido e sofrerem menos, influência das condições climáticas sobre a produção, quando comparados a outros ruminantes.
Tais características fizeram destes pequenos ruminantes uma atividade importante no processo de colonização do nordeste brasileiro. Serviam principalmente de alimento para as famílias que moravam nesta região, bem como, geravam renda com a comercialização nas feiras locais (CARON & SABOURIN, 2003). Durante este período os caprinos eram criados de forma extensiva, pastando em grandes áreas de terra, cobertas pela vegetação da caatinga. Porém com o crescimento da população e sucessivas divisões das propriedades foram forçados a ficarem em pequenos espaços. Esta mudança na estrutura das propriedades também provocou mudanças significativas nas práticas de manejo dos animais. Os sistemas extensivos foram evoluindo para semi-extensivo, chegando até a adoção de sistema intensivo, por alguns proprietários, principalmente no período seco do ano (NOGUEIRA, 2007).
Até o início da década de 90, na Paraíba, a criação de cabras foi realizada para a obtenção de carne. O leite era basicamente um alimento utilizado pelas famílias agricultoras e não tinha valor comercial. Uma prova disto é a comparação dos volumes de leite de cabra apresentados nos censos agropecuários de 1980 e 2006, onde se observa um aumento de 228% na produção (IBGE, 2006). Esta evolução ocorre no período após a criação do Programa Leite da Paraíba1, que garantiu a comercialização deste produto a um preço considerado justo. Permitindo as famílias investirem na estruturação de seus sistemas para tornarem-se produtoras de leite de cabra.
A valorização da criação de cabras para produção de leite promoveu mudanças nas estruturas das propriedades e nas estratégias de manejo dos animais. Mudanças refletidas nas práticas do manejo alimentar, reprodutivo e sanitário.
Este artigo objetiva apresentar alguns indicativos nas mudanças ocorridas no ambiente e nas práticas de manejo e alguns de seus impactos, tomando como referência dois municípios localizados nas regiões do Cariri e Médio Sertão, estado da Paraíba.
O aumento do número de animais, com finalidade de aumentar a produção; a intensificação das formas de manejo associadas às pequenas áreas das propriedades está promovendo mudanças significativas no ambiente rural que podem comprometer direta ou indiretamente o bem estar animal.
Figura 1. Instalações inadequadas com grande número de animais em pequena área.
Figura 2. Instalações inadequadas para manejo na ordenha dos animais.
Os efeitos da prática do pastejo intensivo percebidos nos municípios estudados, também são descritos por Zhao et al. (2004) quando monitoraram o pastoreio com alta taxa de lotação de ovinos. Após cinco anos observaram uma redução de 88,0% da cobertura vegetal, 92,6% da altura da cobertura, 98,8% da quantidade de biomassa e 90,8% biomassa das raízes. Foram se formando áreas com pouca ou nenhuma cobertura vegetal, que com o passar do tempo aumentaram em número e tamanho.
Esta redução da diversidade vegetal além de comprometer o funcionamento dos subsistemas de criação, pois reduz em quantidade e qualidade a produção de forragens, também pode está comprometendo o funcionamento do conjunto do sistema de produção. Pois, como explicam Mazoyer & Roudart (1998) a retirada da cobertura vegetal, principalmente das árvores, traz consigo a redução da manta morta e portanto, do teor de húmus disponível, diminuindo a disponibilidade de minerais e a capacidade do solo de reter água, efeito que se acentua quanto mais quente for o clima.
Outra conseqüência direta se dá sobre a estrutura física do solo, em uma área sem cobertura vegetal, a água cai diretamente sobre o solo e escoa sem muitos obstáculos, aumentando sua velocidade de escoamento e diminuindo sua capacidade de infiltração, reduzindo a disponibilidade de água para as raízes das plantas e promovendo a perda de minerais por erosão. Esses sucessivos eventos têm como consequência a incapacidade do sistema manter sua fertilidade global.
Figura 3. O resultado da elevada pressão de pastejo, não há sucessão ecológica.
Considerações finais
É verdade que ocorreram mudanças nas formas de criar caprinos na Paraíba e que estas mudanças geraram impactos positivos (geração de renda e segurança alimentar) mas também, resultam em impactos negativos como os apresentados, acima. Vale destacar as alterações ambientais que estas mudanças provocaram, criando ambientes impróprios para o desenvolvimento eficiente da caprinocultura leiteira.
Neste sentido fazem-se necessárias pesquisas que promovam a produção do conhecimento e geração de tecnologias considerando a trajetória histórico social da atividade para desenvolver sistemas de produção sustentáveis, por meio de: Estocagem de forragem para o período seco, com produção de feno e silagem; Manejo adequado da caatinga, para conservação e ampliação do potencial forrageiro e melhorias nas instalações de forma que facilitem o manejo higiênico sanitário do rebanho, minimizem o estresse térmico e promova o bem estar aos animais, principalmente aos de aptidão leiteira, que sofrem mais influência do ambiente na sua produção.
Figura 4. Estocagem de forragem na forma de feno produzido com pasto nativo.
Figura 5. Estocagem de forragem na forma de silagem produzida com milho, capim e gliricidia.
Figura 6. Criação de banco de proteína com espécies forrageiras adaptadas ao clima.
Figura 7. Sala de ordenha que facilitam o manejo adequado dos animais e a higiene do leite.
Figura 8. Estrutura de ordenha adaptadas por pequenos produtores que facilitam o manejo adequado na retirada do leite das cabras.
Referências
CARON, P.; SABOURIN, E. Camponeses do Sertão: mutações das agriculturas familiares no Nordeste do Brasil. 1ed. Brasil: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, 2003.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEORAFIA E ESTATISTICA - IBGE. Censo agropecuário 2006 resultados preliminares. Rio de Janeiro, 2006. 146p. Disponível em:
MAZOYER, M.; ROUDART, L. História das agriculturas do mundo: do neolítico à crise contemporânea. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
NOGUEIRA, F.R.B. Tipologia de sistemas de produção no Semi-árido. 2006. 55f. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária dos Ruminantes e Eqüídeos) - Universidade Federal de Campina Grande, Patos.
ZHAO, H.L. et al. Desertification processes due to heavy grazing in sandy rangeland, Inner Mongolia. Journal of Arid Environments, v.62, Issue 2, p.309-319. July, 2005.
1 - O Programa Leite da Paraíba é um programa governamental que atende a 137 municípios Paraibanos e beneficia 120.168 mil famílias, com o recebimento de leite de cabra pasteurizado. Esse programa compra leite de pequenos produtores, que entregam a produção em mini-usinas, 22 no total, e estas por sua vez, pasteurizam, envasam e entregam aos postos de distribuição espalhados por todo estado.