Durante todo o transcurso de desenvolvimento que culmina com a parição, muitos fatores externos e até mesmo internos (inerentes à fêmea gestante) podem atuar causando a morte embrionária ou fetal (CRESPILHO, 2009) ou problemas na evolução do trabalho de parto que podem resultar na morte do(s) produto(s).
Mas como identificar anormalidades em um trabalho de parto? Para um diagnóstico preciso dos eventuais problemas que podem acometer cabras e ovelhas durante o trabalho de parto (as chamadas distocias ou parto distócico, tema do próximo radar técnico) torna-se necessário o conhecimento prévio dos principais componentes e características de um parto normal. Nesse sentido, o objetivo dessa matéria é apresentar de forma simplificada as principais características de um parto normal em pequenos ruminantes para que possíveis alterações nos padrões classificados como normais ou fisiológicos, sejam prontamente identificados por técnicos e pecuaristas.
Parto normal
O trabalho de parto pode ser definido como o processo fisiológico através do qual o feto e seus envoltórios fetais são expulsos do útero materno, envolvendo a interação de inúmeros fatores principalmente de origem neuroendócrina, que acarretam uma série de modificações no funcionamento do corpo da fêmea gestante (LANDIM-ALVARENGA, 2006).
A despeito dos inúmeros avanços científicos observados nas últimas décadas, o mecanismo responsável pela manutenção da gestação e início do trabalho de parto sofre uma grande variação (e não é totalmente compreendido) na grande maioria das espécies animais (JENKIN & YOUNG, 2004). O conceito mais atual considera que o "gatilho" inicial para o início do trabalho de parto é deflagrado pelo próprio feto e não pela fêmea gestante (SENGER, 2005).
De acordo com esse conceito, é provável que com o avançar da gestação paulatinamente aumentariam os requerimentos fetais por nutrientes e por espaço dentro do útero para que o feto continue se desenvolvendo. Em virtude da limitação física (incapacidade uterina em se dilatar ainda mais) e fisiológica (aumento da demanda e queda relativa na disponibilidade de glicose e oxigênio) imposta ao desenvolvimento fetal, o novo produto é submetido a um estado de intenso estresse.
Como resultado do estímulo estressante ocorre uma grande produção de cortisol (ou hormônio do estresse) que é responsável por estimular a conversão de progesterona (hormônio envolvido na manutenção da gestação) em estrógeno e prostaglandinas, hormônios que por sua vez desencadeiam o início do trabalho de parto por estimularem o relaxamento e dilatação da cérvix e contração uterina (DAVIDSON & STABENFELDT, 1999). Sendo assim, o aumento da produção de cortisol fetal, iniciado cerca de trinta dias do início do parto, representa o principal mecanismo para o início da parturição em ovinos e caprinos.
Fases do parto
Após o desencadeamento endócrino do parto, inicia-se o processo abrupto que culmina com a expulsão fetal. Nesse sentido, a parturição pode ser dividida em três fases:
Fase prodrômica ou de preparação: A fêmea gestante começa a se preparar para o início do trabalho de parto, apresentando relaxamento de ligamentos e músculos pélvicos e da garupa, edema de vulva e aumento do volume do úbere condizente com a produção de colostro. Tais alterações morfológicas são acompanhadas por mudanças comportamentais que servem de indicativo quanto a proximidade do parto. De acordo com Ramirez et al., (2005), os principais sinais exteriorizados por cabras cerca de 1 hora antes do início do trabalho de parto incluem àqueles relacionados ao progressivo aumento da inquietação como permanência em estação, vocalização e movimentação constante do corpo e cabeça, além do isolamento do restante do rebanho que pode ocorrer prematuramente a partir de 8 horas antes do início do parturição. Os mesmos autores não observaram diferenças no comportamento pré-parto de cabras apresentando gestações únicas ou gemelares, resultados semelhantes aos reportados por Romano & Piaggio, (1999). Esse período apresenta uma duração média de duas a seis horas para cabras e ovelhas, e o seu final geralmente coincide com o início das contrações uterinas expulsivas.
Fase de dilatação da via fetal: Em virtude do início das contrações da musculatura uterina que começam irregulares e pouco intensas passando a rítmicas e enérgicas com a evolução do parto (LANDIM-ALVARENGA, 2006), o feto começa a se insinuar através do canal do parto havendo dilatação da cérvix. Uma vez que a cérvix é aberta e o feto avança em direção ao canal pélvico, as contrações da musculatura uterina tornam-se menos importantes para a expulsão fetal que passa a depender da pressão abdominal expulsiva (DAVIDSON & STABENFELDT, 1999). Essa fase apresenta uma duração média de 30 minutos a duas horas em pequenos ruminantes, culminando com a exteriorização das bolsas fetais.
Fase de expulsão: Iniciada com o rompimento das bolsas fetais que conferem a lubrificação necessária para ocorrência do parto; tem duração média de 30 minutos até 8 horas, sendo caracterizada pela expulsão do produto e dos anexos placentários (LANDIM-ALVARENGA, 2006).
Figura 1 - Exemplos da evolução do trabalho de parto em ovinos. A: Final da fase de dilatação da via fetal com exteriorização das bolsas fetais. B: fase de expulsão do produto.
*Adaptado de www.flickr.com/photos/baalands2008.
A duração do trabalho de parto é variável entre as diferentes espécies animais, sendo o seu conhecimento indispensável para a identificação de partos demasiadamente demorados que configuram a distocia, emergência clínico-reprodutiva com sérias implicações para a saúde e viabilidade do produto, assim como para a matriz (SENGER, 2005). O momento de ocorrência do parto também difere entre as espécies, podendo ocorrer uniformemente ao longo de todo o dia no caso da ovelha, ou apresentando uma maior concentração nos períodos de maior luminosidade (maior incidência de partos concentrados ao meio dia) no caso de caprinos (ROMANO & PIAGGIO, 1999).
Em suma, o conhecimento das principais características relacionadas ao parto de ovinos e caprinos se faz necessário para que técnicos e pecuaristas possam identificar prontamente situações de anormalidade, auxiliando na tomada de decisão pela intervenção ou busca por ajuda especializada em tempo hábil para garantir a preservação da saúde geral e reprodutiva da matriz, atuando decisivamente na sobrevivência de cordeiros e cabritos, foco principal da grande maioria dos sistemas de produção.
Referências bibliográficas
CRESPILHO, A.M. Perda embrionária em caprinos - Parte 1. FarmPoint - Ovinos e Caprinos, 21/09/2009. Radar Técnico de Sanidade. Disponível em: www.farmpoint.com.br/sanidade. Acesso em: 11/07/2010.
JENKIN, G., YOUNG, I.R. Mechanisms responsible for parturition; the use of experimental models. Animal Reproduction Science, v.82-83, p.567-581, 2004.
DAVIDSON, A.P., STABENFELDT, G.H., Gestação e Parto. In___.CUNNINGHAN, J. G. Tratado de Fisiologia Veterinária. [S. L.]: Guanabara koogan, 1999. Cap.37, p.377-384.
LANDIM-ALVARENGA, F. C. Parto Normal. In___.PRESTES, N.C., LANDIM-ALVARENGA, F.C. Medicina Veterinária - Obstetrícia Veterinária, [S. L.]: Guanabara Koogan, 2006, p.82-96.
RAMIREZ, A., QUILES, A., HEVIA, M. et al. Behavior of the Murciano-Granadina goat in the hour before parturition. Applied Animal Behaviour Science, v.44, p. 29-35, 1995.
ROMANO, J.E., PIAGGI, J. Time of parturition in Nubian goats. Small Ruminant Research, v.33, p. 285-288, 1999.
SENGER, P.L. Placentation, the Endocrinology of Gestation and Parturition. In___. Pathways to Pregnancy to Parturition. 2.ed. Washington: Current Conception Inc, 2005, Cap. 14, p.314-334.