Eis uma pergunta que gera muita divergência de opiniões entre os pesquisadores e produtores rurais. De um lado, produtores de grãos como soja e milho que repudiam esta espécie, considerando-a como uma das principais plantas daninhas das culturas anuais de verão e do outro lado, pecuaristas que enxergam nesta planta, uma excelente opção de forrageamento de primavera e verão.
Assim, diante destas opiniões controversas, talvez o foco do debate devesse ser em cima das perguntas: Quais são as suas vantagens e desvantagens? Quais os motivos que justificam a sua utilização? E ainda, em qual sistema produtivo esta espécie apresenta viabilidade de uso?
Sabe-se atualmente que o capim papuã ou capim marmelada, cujo nome científico é Brachiaria plantaginea é uma das melhores espécies entre mais de 100 espécies do gênero Brachiaria spp, devido à sua alta produtividade e valor nutritivo. Esta espécie de verão, possivelmente introduzida acidentalmente no país devido à utilização das sementes, juntamente com outras espécies, como colchão nos navios negreiros vindos da África, possui ciclo anual de produção e hábito decumbente de crescimento e ocorre espontaneamente em lavouras durante o verão e início do outono, florescendo e desaparecendo com o frio.
Entre as suas vantagens ou características desejáveis, cita-se uma elevada tolerância a uma série de limitações e/ou condições restritivas de utilização para um grande número de espécies forrageiras, como persistência em solos de baixa fertilidade e alta capacidade de competição por água, luz e nutrientes. Apresenta ainda, elevada plasticidade com grande potencial de ressemeadura natural e longo período de sobrevivência no banco de sementes do solo, com vários ciclos de germinação ao longo do período de crescimento, facilidade de manejo, alta produtividade de biomassa vegetal e excelente resposta à adubação. Por outro lado, como possíveis desvantagens, podemos citar características como alta habilidade competitiva e ressemeadura natural, que podem interferir no desenvolvimento das culturas anuais, acarretando em perdas de produtividade. Ainda, dificuldades no controle a campo podem causar interferência negativa na colheita, especialmente no caso da soja. Ocorre que, o simples fato de ser considerada e tratada como uma espécie daninha, também tem tornado esta espécie uma forrageira com várias características desejáveis.
Assim, a próxima pergunta a ser respondida é: Como justificar o seu uso considerando esses efeitos negativos? Para alguns, a resposta para essa pergunta é simples; não há justificativa em se utilizar uma espécie considerada daninha quando da presença de inúmeras outras opções como sorgo e milheto. Entretanto, há aqueles que justificam o seu uso em função dos menores custos de implantação (ressemeadura natural) aliados a menores riscos de insucesso no estabelecimento e a facilidade de controle através de métodos químico ou cultural. Com isso, o ponto chave, seja talvez, em qual sistema de produção esta espécie poderia ser utilizada.
A possibilidade de formas de utilização desta espécie forrageira é diversa, seja para pastejo ou até mesmo fenação. No Centro-Oeste brasileiro, por exemplo, uma espécie do mesmo gênero (Brachiaria brizantha) é utilizada em plantio consorciado com milho, para renovação de pastagens, sendo que mais ao Sul do Brasil, esta prática ocorre naturalmente através da ressemeadura natural do papuã proporcionando forragem em período crítico do ano, que é o vazio forrageiro de outono, a custo bem reduzido. Assim, em áreas de integração lavoura-pecuária (ILP) o papuã pode ser utilizado após a colheita do milho, provendo forragem em período de baixa disponibilidade, semelhante ao "Sistema Santa Fé" utilizado no Brasil central, aonde os animais entrariam na lavoura para consumir o papuã e outras gramíneas, além da palha e pedaços de espigas de milho que caem ao chão durante a colheita.
Pensando então, em outra forma de manejo e não no seu uso em sistemas de produção de grãos, poderíamos sugerir um sistema produtivo embasado na produção de papuã no verão e azevém no inverno, uma vez que ambas as espécies possuem ressemeadura natural e apresentam-se como excelentes opções de forragem de baixo custo.
Alguns pesquisadores como Aita (1995), Restle et al (2002) e Adami (2009) já testaram esta espécie e demonstraram seu alto potencial produtivo.
Em um trabalho realizado no IAPAR - Unidade de Pato Branco, Adami (2009), e colaboradores avaliando caprinos Boer em pastagem de papuã submetida a diferentes intensidades de pastejo e níveis de nitrogênio, obtiveram excelentes respostas em termos de produção animal e vegetal. A pastagem não apresentou diferença de produtividade quando manejada entre as alturas de 23 a 31 cm, respondendo, entretanto, de forma significativa à utilização da adubação nitrogenada com aumento de 13,6 t de MS/ha para 19,8 kg de MS/ha, respectivamente, de 0 para 200 kg de N/ha em 135 dias de avaliação. Ainda, esta produtividade refletiu em capacidade de suporte de 2.000 e 2.500 kg de PV/ha ao longo deste período, com massa de forragem média de 2.500 e 3.800 kg de matéria seca por hectare, respectivamente, para a maior e menor intensidade de pastejo.
Podemos destacar ainda que o baixo peso dos animais (25 kg) e a grande capacidade de suporte impressionam pelo número de animais passíveis de serem mantidos em pequena área de pastagem. Assim, essa área representada na forma de 1 ha, suportaria 80 e 100 animais, respectivamente, para os níveis 0 e 200 kg de N/ha. Se considerados os ganhos médios diários de 110 g por animal/dia e uma taxa de lotação de 2.500 kg de PV/ha, para caprinos com média de 30 kg de PV, poderíamos obter uma produção animal superior a 900 kg de PV/ha em 100 dias de pastejo.
Aita (1995), comparando o papuã com outras espécies anuais de verão, encontrou valores de carga animal de 1.634, 1.514 e 1.389 kg de PV/ha respectivamente para o com os maiores ganhos de peso vivo para o papuã (668 kg de PV/ha). Restle et al (2002) comparando papuã, milheto e sorgo e utilizando 300 kg de N/ha, encontrou ganho de peso médio diário em novilhos de corte de 1,054; 1,121; e 1,188 kg, e ganhos por área de 668, 570 e 640 kg de PV/ha em 100 dias de pastejo, respectivamente demonstrando a viabilidade de uso desta espécie na produção animal.
A partir desses dados e de uma análise do sistema de produção em si, poderíamos refletir sobre o capim papuã também como mais uma possibilidade para o forrageamento dos pequenos ruminantes, e não apenas como uma planta indesejável no sistema.
Bibliografia consultada:
ADAMI, P.F. Produção, qualidade e decomposição de papuã sob intensidades de pastejo e níveis de nitrogênio. 98 p. (Mestrado em Agronomia) - Curso de Pós-graduação em Agronomia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Pato Branco, 2009.
AITA, V. Utilização de diferentes pastagens de estação quente na recria de bovinos de corte. 103p. Dissertação (Mestrado em Zootecnia) - Curso de Pós-graduação em Zootecnia, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 1995.
RESTLE, J., ROSO, C., AITA, et al. Produção Animal em Pastagem com Gramíneas de Estação Quente. Revista Brasileira de Zootecnia, v.31, n.3, p.1491-1500, 2002.