Um dos problemas da ovinocultura brasileira é a despadronização das carcaças proveniente do peso dos cordeiros ao abate, sendo na maioria das vezes abatidos com peso elevado, em função da remuneração do produtor ser atribuída à essa característica. Assim, o produtor vende ovinos mais pesados para obter maior lucratividade. Porém, esses animais com maior peso, geralmente apresentam idade mais avançada, conseqüentemente possuem maior percentual de gordura na carcaça.
Dentre as características relevantes na qualidade da carne vermelha, a aparência (cor, brilho e apresentação do corte) e a maciez são as principais responsáveis pela aceitação do consumidor no momento da compra e do consumo. Esses atributos ou características físicas apresentam variações que estão associadas a inúmeros fatores, tais como: diferenças na idade e/ ou peso ao abate, manejo pré e pós-abate e tipos de raças.
Quanto o peso ao abate, os animais apresentam características distintas de carcaça em função das diferentes faixas de peso em que são abatidos. Sabendo-se que atualmente, o mercado consumidor apresenta elevada exigência quanto à qualidade das características físicas da carne, torna-se necessário o conhecimento da melhor faixa de peso dos ovinos destinados ao abate.
Uma das variáveis que influenciam a transformação do músculo em carne é a velocidade da queda do ph final após a morte, causada pelo acúmulo de ácido láctico, resultado das reações químicas post mortem. Sendo que a mesma pode ser influenciada pelo peso final do cordeiro antes do abate. Entretanto a influência do peso ao abate de espécies animais de carne vermelha sobre o pH final, ainda é contraditória. Segundo TUMA et al. (1963), trabalhando com novilhos abatidos com diferentes pesos, encontraram menor valor de pH em animais com maior peso ao abate ou idade mais avançada. Entretanto, DEVINE, CHRYSTALL & DAVEY (1983), comparando cordeiros em crescimento com peso semelhante ao abate, mas com idade diferente, constataram que o pH final dos cordeiros mais jovens foi ligeiramente menor. Resultados semelhantes foram encontrados por SAÑUDO et al. (1996), analisando três grupos de peso de carcaça de cordeiro (8,1; 10,2; 13,4kg), verificaram que o grupo de carcaça mais pesado apresentou valor de pH final mais elevado, do que o grupo de carcaça de peso médio e leve, os quais foram similares. No entanto, existe a preferência por valores de pH mais baixos, ou seja, animais abatidos com carcaças mais leves, visando uma melhor qualidade final da carne.
Por sua vez o pH influencia a cor da carne, que é o índice de frescor e qualidade mais óbvio para o consumidor. Normalmente carnes escuras são rejeitadas pelo comprador, que associa essas a carnes velhas ou carnes oriundas de animais mais maduros, portanto com carne dura. Entretanto, essa relação nem sempre é verdadeira, pois animais abatidos com poucas reservas de glicogênio não atingem valores de pH suficientemente baixos para produzir colorações normais, independente de sua idade e maciez.
Outra característica relevante para qualidade é a perda de peso no cozimento, pois está associada ao rendimento da carne no momento do consumo. Essa é uma característica influenciada pela capacidade de retenção de água nas estruturas da carne. A gordura existente na carne é derretida por ação do calor, que é registrada também como perda no cozimento.
Os resultados para Perda de Peso no Cozimento (PPC) em função do peso ao abate podem estar associados a maior quantidade de gordura presente nos tecidos dos cordeiros mais pesados. KEMP et al. (1972) avaliando 60 cordeiros (30 inteiros e 30 castrados) provenientes do cruzamento de carneiros Hampshire com ovelhas mestiças, sacrificados ao atingir peso ao abate predestinados de 36, 45 e 54kg, observaram que a PPC foi maior nos ovinos mais pesados. Da mesma forma, SCHÖNFELDT et al. (1993) observaram que no músculo semimembranosus de ovinos e caprinos, a PPC aumenta com a idade e o peso. Pesquisando cordeiros da raça Katakatchanska com idade ao abate de 22 e 30 semanas, PINKAS et al. (1982) encontram no músculo supraspinatus um aumento na PPC em ovinos com maior idade ao abate.
As variações encontradas na maciez são decorrentes de vários fatores, tais como: raça dos animais, peso ou idade ao abate, tipos de músculos, sistema de manejo e condições de pré e pós-abate.
Considerando os trabalhos que estudaram o efeito da raça e peso ao abate sobre a força de cisalhamento (medida objetiva de maciez) é possível verificar resultados discordantes. Trabalhando com 30 cordeiros inteiros e 30 cordeiros castrados, provenientes do cruzamento de carneiros Hampshire com ovelhas mestiças, destinados a um dos grupos de peso ao abate, 36, 45 e 54kg, KEMP et al. (1972) encontraram que a Força de Cisalhamento (FC) diminui com o aumento do peso em ambas as condições sexuais. Entretanto, outros autores não verificaram efeitos significativos. KEMP, MAHYUDDIN, ELY (1981) encontraram que o músculo longissimus dorsi de cordeiros ½-Hampshire, ¼-Suffolk e ¼- Rambouillet, não apresentaram diferença nos valores de FC nos grupos de peso ao abate de 32, 41 e 50kg, embora houvesse uma pequena tendência dos valores de FC diminuírem com o aumento do peso ao abate. PURCHAS, O´BRIEN & PENDLETON (1979) relataram que a FC para o músculo biceps femoris não diferiu entre os grupos de peso ao abate de 30, 40, 50 e 60kg, mas para o músculo semimembranosus os valores de FC diminuíram em decorrência do aumento do peso ao abate, mas essa diferença foi irrelevante para alterar a qualidade final da carne. PEREZ et al. (1997), avaliando as raças Santa Inês e Bergamácia, não encontraram diferença quanto à maciez. No entanto, SAÑUDO et al. (1996), comparando três pesos de carcaças (8,1; 10,2 e 13,4kg), encontraram que o grupo de peso de carcaça intermediário possuiu maior FC do que o grupo de carcaça mais leve e pesada, os quais foram de maciez similar. A maioria dos autores sugere que o grupo de carcaça mais leve possuiu uma boa relação de solubilidade/insolubilidade do colágeno e o mais pesado apresentou uma maior quantidade de gordura intramuscular.
Contudo, a tendência é buscar para a ovinocultura uma faixa de peso ao abate que realce a qualidade e a padronização da carne ovina visando a importância na qualidade futura da carne e dos produtos preparados a partir dela para a maior aceitação pelo consumidor, estando o peso ao abate interligado com outras características como idade ao abate e raça.
O consumo de carne magra tem-se intensificado em muitos países devido a mudanças no padrão de consumo. O excesso de gordura, como conseqüência do abate tardio, além de afetar a qualidade da carcaça, repercute na viabilidade econômica do sistema de produção, tendo em vista a transformação de parte dos nutrientes ingeridos em tecido indesejável. Atualmente, o consumidor tem procurado carne ovina mais tenra, com menor teor de gordura, estimulando a produção de animais mais precoces. No Brasil, entretanto, a comercialização da carne ovina ainda é feita em função do peso vivo, não sendo levados em consideração o peso da carcaça, a conformação e a relação entre as proporções de músculos, ossos e gordura.
Referências bibliográficas
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