Cristiane Otto de Sá1 e José Luiz de Sá1
O processo reprodutivo dos mamíferos, tanto domésticos como selvagens, é marcado por períodos alternados de atividade e inatividade reprodutiva. Nas fêmeas, estas alternâncias são organizadas dentro de fases distintas. Estas mudanças incluem os períodos de atividade sexual e de quiescência associados com os estágios de estro e diestro do ciclo estral. A alternância entre a fertilidade e a infertilidade está associada a mudanças na estação do ano e com a gestação e lactação. Ocorre também, uma contínua mudança sexual associada com a maturação, idade adulta e envelhecimento dos animais. Todos estes fatores interagem entre si.
A regulação natural dos fenômenos fisiológicos ligados à reprodução dos animais teve origem na sua adaptação às condições climáticas inerentes ao meio em que habitavam. As maiores possibilidades de sobrevivência das espécies recaem sobre aquelas capazes de gestar e parir em épocas favoráveis ao desenvolvimento de suas crias. Enquanto o período de nascimento nas espécies selvagens recai invariavelmente na primavera ou no final do inverno, a concepção, ao contrário, tem lugar em diferentes estações do ano. A razão deste fato reside em que, não sendo o período de gestação igual para todas as espécies, a época da atividade sexual e, portanto, da cópula também variam ao longo do ano.
Com base no fotoperíodo, os animais foram classificados em dois tipos: animais de dias longos, no qual se incluem os eqüinos e os bovinos, cuja atividade sexual se manifesta após o solstício de inverno, ou seja, quando os dias crescem, e animais de dias curtos, no qual são inseridos os ovinos, caprinos e suínos, cuja atividade sexual se manifesta após o solstício de verão, ou seja, quando os dias decrescem.
Os eqüinos podem conceber na primavera, dado que seu período de gestação de onze meses possibilita nascerem suas crias na mesma estação no ano seguinte, pois se mantêm protegidos pelo ventre dos rigores do inverno. Já os caprinos e ovinos, por perderem sistematicamente suas crias nascidas no inverno, têm como única opção de sobrevivência a parição na primavera, resultante das fecundações de outono. Em algumas espécies, como a bovina e a suína, entretanto, as modificações impostas pela domesticação foram tão intensas, que estes animais passaram a conceber e parir em qualquer período do ano. Em todos os casos, porém, as espécies domésticas conservam subjacentes os mecanismos fisiológicos ligados a estacionalidade apesar dos muitos milhares de anos da domesticação. Por isso, é possível um retorno ao estado primitivo, desde que o processo seletivo venha a ser interrompido. Os ovinos, apesar de séculos de domesticação, ainda exibem uma marcada estacionalidade reprodutiva.
Apesar da estacionalidade ser de grande importância para animais selvagens, muitas vezes ela é um obstáculo para o aumento na produtividade ovina. A incapacidade das ovelhas de regiões temperadas ciclarem na primavera limita a realização de programas acelerados de parições e a obtenção de mais partos na vida de uma fêmea ovina. Além disso, fica difícil a comercialização dos animais. Se a reprodução é estacional em ovinos, conseqüentemente, a produção de cordeiros também será, causando um severo problema para organizar e estabilizar o mercado da carne ovina.
A origem geográfica dos animais e a latitude na qual se encontram são importantes fatores que condicionam o efeito da luz sobre a atividade reprodutiva dos ovinos. Aqueles que se originaram ou que estão localizados em uma região próxima da linha do equador, a estacionalidade reprodutiva não é tão evidente. Em certas zonas da área Mediterrânea onde os machos são mantidos permanentemente no rebanho, existem partos durante todo o ano. A influência do fotoperíodo é maior quanto maior for a latitude. Observe na tabela 1 como a diferença do número de horas luz entre o solstício de inverno e o solstício de verão é maior nas regiões mais distantes da linha do equador, como Curitiba e Porto Alegre. Nestas regiões a estacionalidade reprodutiva é mais evidente do que no Nordeste do Brasil.
Tabela 1: Horário do nascer e pôr do sol no solstício de inverno e de verão em Recife, Curitiba e Porto Alegre.
Na tabela 2, é possível verificar a fertilidade de ovelhas mestiças Suffolk, criadas em Curitiba, região de clima temperado, onde a estacionalidade é evidente. Embora a taxa de fertilidade tenha sido considerada baixa quando comparada com as taxas obtidas na época de reprodução normal da espécie, foi possível fazer com que 65% das ovelhas fossem fecundadas e mantivessem a gestação no período de anestro sazonal. O sistema semi-intensivo de criação permitiu que o peso ao nascer dos cordeiros fosse alto e a mortalidade baixa.
Tabela 2: Taxa de fertilidade e características do parto e dos cordeiros de ovelhas mestiças Suffolk expostas à monta em novembro, período de anestro sazonal, na cidade de Curitiba, PR.
No caso dos machos a produção espermática ocorre durante todo o ano, porém, sua capacidade fecundante se mostra superior no outono e inferior na primavera, atestando o efeito do fotoperíodo. Esta constatação é feita quando os reprodutores são submetidos à condições alimentares satisfatórias. Entretanto, nos animais à campo o efeito alimentar mascara o fotoperíodo, resultando em uma qualidade de sêmen pior quando há pouca disponibilidade forrageira.
Com relação às raças, existe uma diferença significativa no que diz respeito a estacionalidade reprodutiva. No Brasil esta diferença é evidente entre as raças lanadas e as deslanadas. A produção de cordeiros é maior nos rebanhos de raças deslanadas sendo que as ovelhas nos trópicos, além de serem poliéstricas anuais, isto é, ciclam o ano inteiro, apresentam uma maior taxa de ovulação e, conseqüentemente, maiores índices de prolificidade, do que as ovelhas lanadas usualmente criadas na região de clima temperado. As diferenças existentes entre as raças puras e entre os animais resultantes de cruzamentos no que diz respeito a estacionalidade reprodutiva têm uma grande importância para a exploração do programa acelerado de parição.
Portanto, a duração da estação reprodutiva é uma importante característica que pode influenciar na escolha de uma raça por produtores interessados em sistemas mais intensivos de criação, que se baseiam na redução do intervalo entre partos para aumentar o número de cordeiros produzidos. Das raças lanadas criadas no Brasil, classifica-se as raças Romney Marsh, Suffolk, Hampshire Down e Texel como muito estacionais, seguidas pelas Ile de France, Corriedale, Ideal, Merino e Dorset consideradas raças pouco estacionais.
Considerações finais
Os ovinos são poliéstricos estacionais, isto é, ciclam em uma determinada estação do ano quando o comprimento dos dias diminui. A estacionalidade é mais evidente quanto mais distante da linha do equador estiver a criação, sendo que, nas fêmeas, a estacionalidade reprodutiva é mais perceptível do que nos machos. Porém, a reprodução é um processo complexo que envolve inúmeros outros fatores. A estacionalidade pode ser variável com a raça do animal. Animais deslanados, como por exemplo, os da raça Santa Inês, praticamente apresentam cios ao longo de todo o ano.
A falta de alimento pode, em determinadas situações, comprometer mais a reprodução do que propriamente o comprimento dos dias. O uso do efeito macho pode estimular o cio das fêmeas, mesmo em período de anestro sazonal. Portanto, para se determinar em que grau a estacionalidade reprodutiva pode ser fator limitante em um rebanho é preciso saber a região na qual se está trabalhando, as raças utilizadas e o manejo geral, nutricional e reprodutivo utilizado no sistema de produção.
Referências bibliográficas
ROSS,C.V. Physiology of Reproduction of Sheep, In: Sheep Production and Management, editado por Prentice-Hall, I. New Jersey, 10 ed. p. 122-143, 1989.
SÁ,J.L. Efeito do manejo na antecipação reprodutiva de fêmeas ovinas. Curitiba, 1997. Dissertação de Mestrado - Universidade Federal do Paraná.
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1 Pesquisadores da Embrapa Semi-Árido