No entanto, isso nem sempre significa que essa época seja a mais favorável comercialmente para o produtor, e embora na natureza a sincronização entre as atividades reprodutivas e a sazonalidade nutricional seja um fator crítico e essencial para a sobrevivência, quando se trata de rebanho comercial essa relação representa mais um risco à eficiência produtiva.
Nos machos, o equilíbrio entre a nutrição e a reprodução se dá pelo ajuste da produção espermática com as condições nutricionais. Nesse caso, um erro no manejo nutricional ocasiona mais uma perda genética com a diminuição de seus descendentes, do que uma ameaça à vida do reprodutor e do cordeiro.
Já para as ovelhas, na quais o investimento energético na reprodução é bastante expressivo, uma falha nutricional é um problema sério e apresenta um risco tanto à vida da matriz quanto da cria. Por isso a resposta reprodutiva da fêmea à nutrição é mais complexa, e deve atender a duas questões - se poderá ou não se reproduzir, e caso haja condições de reproduzir-se, se há possibilidade de gerar um ou mais cordeiros. O que determinará a quantidade de cordeiros gerados é o número de oócitos disponíveis a serem fecundados e gerarem embriões, que por sua vez tornar-se-ão fetos. Ou seja, aumentando-se a taxa de ovulação aumenta-se a probabilidade de gestação múltipla.
Como conseguir aumentar o índice de prolificidade no meu rebanho?
A importância de partos gemelares em um sistema de produção de carne é incontestável, já que permite ao produtor otimizar a produção de suas matrizes e aumentar sua eficiência.
Vimos que por uma questão de sobrevivência, a taxa de ovulação nas ovelhas é muito sensível às condições nutricionais (além de depender com menor intensidade da idade, genótipo, estação de monta e condição corporal do animal).
Por isso o flushing - um incremento nutricional nas semanas que antecedem o início da época de cobertura - tem sido bastante utilizado. Para se obter os melhores resultados com o flushing, devemos ter uma noção do balanço energético do animal - quando a necessidade nutricional da ovelha é maior do que aquilo que ela está ingerindo, ela terá de usar seu estoque de energia (glicogênio, triglicérides e proteína) para suprir essa lacuna - dizemos que esse animal está em um balanço energético negativo.
Da mesma forma, quando o requerimento nutricional da ovelha é menor do que aquilo que ela está ingerindo, ela estará em um balanço energético positivo, e armazenará o excesso de nutrientes na forma de glicogênio e triglicérides e/ou gerará calor metabólico para "gastar" o excesso de energia ingerido.
O flushing terá melhores resultados nos animais que estão em balanço energético negativo, como veremos a seguir. Ele é usado desde a antiguidade na Inglaterra, por exemplo, onde as ovelhas após o desmame eram forçadas a uma restrição nutricional que fazia com que elas diminuíssem o peso corporal. Essa queda de peso (que representa o balanço energético negativo), fazia com que elas respondessem a uma mudança na alimentação no período de 4 a 5 semanas antes da cobertura, levando-as a ganhar peso (representando o balanço energético positivo) e aumentar os partos gemelares. Essa mudança na alimentação é o que conhecemos hoje como flushing.
Como fazer?
Essa prática deve começar 2 a 4 semanas antes da estação de monta, e continua de 2 a 3 semanas após o início da estação, durando de 4 a 7 semanas, e pode ser feita de várias formas:
1-Melhorar a nutrição através do fornecimento de ração: em geral, uma ração bem balanceada pode ser fornecida na medida de 200 a 250g/ovelha/dia. Lembrando sempre que o ideal é consultar um técnico que formule a ração e indique a quantidade a ser fornecida; essa quantidade é apenas um indicativo, e depende dos ingredientes da ração.
2-Melhorar a nutrição através do pasto: reservando-se um pasto de melhor qualidade para esse período que antecede a monta.
3-Aumentar o consumo das ovelhas através da tosquia: é sabido que a tosquia funciona como um "flushing natural", já que a ovelha aumentará o consumo alimentar.
Resultados esperados com o flushing
Para avaliarmos se o rebanho tem boas condições de responder ao flushing, iniciamos verificando o Escore de Condição Corporal (ECC) dos animais. O ECC é uma avaliação subjetiva, na qual o avaliador observa a cobertura de gordura sobre a coluna vertebral e as costelas (figura 1). O ECC varia de 1 a 5, no qual 5 é o animal extremamente gordo e 1 extremamente magro.
Figura 1. Avaliação da cobertura de gordura acima da coluna vertebral
A condição corporal que a ovelha deve estar para potencializar sua produtividade é nem tão baixa nem tão elevada. O produtor deve avaliar tanto o peso corporal quanto o ECC para tomada de decisões no manejo nutricional. Cada 0,5 unidade acrescida no escore corporal representa 6 a 7% do peso vivo da ovelha. Por exemplo uma ovelha com ECC 3 pesando 60 kg deve pesar entre 67 e 68,5 kg quando na condição corporal 4.
Figura 2. Mudanças esperadas na condição corporal de ovelhas em um ciclo de produção
Portanto vemos, na Figura 2, que o ideal é que as ovelhas estejam indo de uma condição 2 para 3 na pré estação de monta.
Sob essas condições esperamos um acréscimo de 10 a 20% na prolificidade. Usa-se como regra geral que cada ganho de 4,5 kg no peso corporal leva a um acréscimo de 5 a 6% na prolificidade.
É importante lembrar que o flushing só é economicamente viável quando considerados todos esses fatores, ou seja, suplementar um lote de ovelhas que não está em balanço energético negativo (estão com uma condição corporal de 4 para cima) não trará os resultados esperados na prolificidade, e só representará um gasto a mais com essa suplementação.
Além da condição corporal no início do flushing, os resultados podem ter influência da raça, ingredientes utilizados na dieta e tempo de suplementação, entre outros fatores.
Raças de baixa prolificidade reagem bem a este manejo, já as mais prolíferas tendem a reagir de maneira menos intensa ao flushing. Nas raças mais prolíferas, o fator "condição corporal no início" tem ainda mais influência.
Em relação ao efeito dos ingredientes, grande parte dos trabalhos científicos apontam para a energia como principal nutriente influenciando a taxa de ovulação, embora alguns trabalhos também afirmam que dietas com elevação nos níveis de proteína e com proteína by-pass também aumentam essa taxa.
Para ilustrar esse quadro, temos um trabalho em que foi avaliada a ovulação em animais submetidos tanto a um alto quanto a um baixo nível energético - 68% das ovelhas suplementadas com alto nível energético apresentaram ovulações múltiplas, enquanto esse índice foi de 26% entre as ovelhas com baixo nível energético.
Além de aumentar a prolificidade, essa prática também leva ao aparecimento do cio mais rapidamente, otimizando ainda mais o efeito macho e concentrando os partos no início da estação de nascimentos. Ou seja, o flushing é mais uma ferramenta que o produtor dispõe na tentativa de aumentar sua rentabilidade da porteira para dentro - desde que bem utilizada, e o ideal é que seja acompanhada por um técnico!
Bibliografia Consultada
SCARAMUZZI, R. J.;et al. A review of the effects of supplementary nutrition in the ewe on the concentrations of reproductive and metabolic hormones and the mechanisms that regulate folliculogenesis and ovulation rate. Reprod. Nutr. Dev. 2006, v. 46 p. 339-354
PEREZ, J. R. O; GERASEEV, L.C.; QUINTÃO, F.A. Manejo Alimentar de Ovelhas - Boletim de Extensão da Editora UFLA.