Para o sistema de produção de pequenos ruminantes a criação justifica-se através de planejamento, metas definidas e programas de seleção dentro do propósito da propriedade e com repercussão econômica considerável para a sua manutenção e margem de lucro. Seja ela de elite e/ou comercial, a rentabilidade econômica é exigível na venda de animais e para isso precisa-se de produtos disponíveis como: borrego(s)/cabrito(s) e/ou matrizes e/ou reprodutores.
Considerando a população ovina e a tendência no aumento na produção de carne, torna-se importante aumentar a taxa de cordeiros desmamados para a comercialização, disponibilidade de reprodutores para servirem nas estações de monta e de matrizes para a cria; e no rebanho de elite, para que todo o investimento na genética superior, utilização de biotécnicas da reprodução assistida, como a transferência de embriões e inseminação artificial tenha sucesso, precisamos que o ciclo reprodutivo termine com o nascimento e desmame dos produtos, e que não seja interrompido, aumentado o custo de produção, devido ao investimento e trabalho de meses. Na maioria dos sistemas de produção de caprinos e ovinos do mundo, das enfermidades da reprodução, a que mais tem repercussão é o abortamento.
No rebanho, o ideal é que não ocorra nenhum aborto, mas existem porcentagens de ocorrências que proporcionam o monitoramento para que este problema não se torne uma epidemia. Taxas de abortos acima de 5% são consideradas preocupantes e devem ser investigadas, de 2 a 5% é considerado normal e abaixo de 2% considera-se excelente e não causa impacto econômico para a propriedade. O objetivo desse radar técnico é condensar algumas informações sobre os agentes causadores de abortos, sugestões sanitárias e de manejo e orientações para o diagnóstico.
Abortamentos são gestações que terminam com a expulsão do feto de tamanho considerável, porém antes do período de viabilidade, definido como 150 dias em médias para os pequenos ruminantes. Os abortamentos podem ser espontâneos, induzidos, infecciosos ou não infecciosos.
Aborto espontâneo
O aborto espontâneo pode ocorrer em animais acasalados logo após a puberdade ou logo após o parto. Para isso é necessário que tenha uma programação e controle do rebanho, principalmente observando a idade e o desenvolvimento corporal das fêmeas a serem colocadas pela primeira vez na estação de monta, na qual em muitos casos a fêmea não está preparada fisicamente e reprodutivamente para prosseguir com a gestação e com isso por questão de "defesa" e através de um sinal fisiológico, induz ao aborto.
A cobertura pós-parto (período de puerpério) não é recomendada visto que o útero acabou de sair de um processo e precisa se recompor ao seu antigo tamanho para próxima fertilização, implantação, desenvolvimento fetal e parto. As alterações rápidas e desproporcionais no tecido uterino são a possíveis causas do baixo índice de concepção pós-parto
1 - Aborto não-infeccioso
Os abortos não-infecciosos podem ser genéticos, cromossômicos, hormonais, causa medicamentosa, falha de manejo ou por fatores nutricionais. Os mais relevantes são o medicamentoso, falha de manejo e nutricional.
Medicamentoso
A busca de informação sobre qual medicação deve ser aplicada durante a gestação é muito importante visto que muitas provocam o aborto. Alguns anti-helminticos não são recomendados durante a gestação, como o closantel (terço inicial de gestação) e albendazole (terço final de gestação). Os anestésicos como a xilazina e altas doses de acepromazina, no inicio da gestação provocam abortos, devido os efeitos de contração uterina e perfusão da placenta.
A administração de corticóides (dexametasona), estrógeno e prostaglandinas, no terço final da gestação induzem ao aborto, no caso dessas medicações elas são muito utilizadas para a indução de parto e para isso, é necessária a avaliação da mãe e viabilidade fetal e são utilizadas preferivelmente em casos que tragam risco para a mãe, onde já excedeu o tempo gestacional ou por outros motivos de anormalidades.
Falha de manejo
No rebanho, a equipe tem que estar bem treinada e orientada para realizar o manejo dos animais nos momentos onde há a necessidade de lidar com o todo o rebanho em um ambiente cercado ou até mesmo em uma contenção individual. Neste momento a tranquilidade dos funcionários reflete no rebanho, e se esse elo é quebrado, pode trazer consequências para o rebanho, como o aborto. As principais causas são: condição precária dos centros de manejo, superlotação em currais, troncos e seringas e contenção inadequada do funcionário, levando ao estresse.
Nutricional
A nutrição é um dos fatores mais importantes em um rebanho. A utilização de forrageiras e concentrados balanceados que supram as necessidades e exigências nutricionais para cada categoria animal, acompanhando do estado fisiológico (fêmea gestante, reprodutor, cordeiro, marrã e etc) são essenciais para um bom desenvolvimento e manutenção da saúde do rebanho. O desequilíbrio no balanceamento do alimento e a privação levam a situações que podem afetar a condição sanitária do rebanho. Alimentações deficientes de vitamina A, cobre, iodo e selênio deixam as fêmeas mais susceptíveis ao abortamento. Altas concentrações de nitrito-nitrato na alimentação também provocam abortos. O ideal é que a alimentação fornecida para as fêmeas gestantes tenham menos de 1000ppm de nitrato como nitrogênio ou menos que 0,44% de nitrato.
Com relação ao escore corporal (EC), fêmeas gestantes com EC 1 a 2 (magras) e EC acima de 4 (gordas) tem maior probabilidade de abortar, além dos seus produtos nascerem abaixo do peso e mais susceptíveis a doenças.
2 - Aborto infeccioso
Os abortamentos causados por agentes infecções são os mais preocupantes. Deve-se examinar clinicamente a mãe, tendo sempre em conta que em geral o abortamento acontece em um certo tempo após a infecção, pois no momento as mães podem não apresentar sinais clínicos. Também se deve considerar que algumas das enfermidades abortivas não produzem outro sinal clínico além da expulsão do feto. As informações do período de gestação e quando ocorreu o aborto são importantes visto que vários agentes infecciosos atuam em etapas específicas da gestação, o que é um fator a mais para estabelecer o diagnóstico.
Enfermidades
1 - Leptospirose
As ovelhas e cabras são menos susceptíveis do que outras espécies domésticas a leptospirose. Em cabras os sorotipos da Leptospira interrogans mais comuns são a icterohaemorrhagiae, grippotyphosa e pomona e nas ovelhas os sorotipos mais comuns são a hardjo, Bratislava, pomona e icterohaemorrhagiae. Os abortos acontecem no terço final de gestação
Prevenção
A realização da vacinação no rebanho é melhor opção para a prevenção da leptospirose, o diagnostico é muito importante para determinar as estratégias de vacinações durante o ano. A vacina utilizada geralmente é multivalente (contem vários sorotipos). O ideal é realizar vacinas contendo o sorotipo isolado do rebanho ou da região. É essencial a realização do controle de roedores e manutenção do local de armazenagem dos alimentos sempre limpos e adoção de medidas que impeçam o contato de roedores com os alimentos evitando que eles urinem e defequem sobre os alimentos, mantendo os bebedouros e comedouros sempre limpos.
2 - Toxoplasmose
A enfermidade atinge tanto ovinos quanto caprinos. Muitos pensam que a maioria dos abortos por Toxoplasma gondii ocorre no final da gestação, mas pode-se observar morte embrionária e abortamentos durante todo período de gestação, dependendo do momento no qual a infestação é produzida.
Transmissão
Existem basicamente três formas de transmissão:
? Contato direto com produtos dos abortos;
? Contaminação de alimentos com fezes de gatos;
? Transmissão transplancetária.
Período de infecção
A infecção ocorrendo durante o primeiro trimestre da gestação pode provocar reabsorção embrionária, morte fetal e/ou mumificação. Ao final da gestação, ocorrem abortos, natimortos ou nascimento de cabritos ou cordeiros fracos. Os filhos também podem nascer infestados, mas clinicamente normais.
Prevenção, controle e tratamento
A melhor forma de prevenir é evitar o acesso de gatos aos depósitos de alimentos e comedouros. Os gatos jovens recém-infestados são os mais perigosos. Para o controle, os produtos dos abortos (placenta e feto) devem ser destruídos, levando-se em conta que os oocistos podem permanecer no ambiente até um ano e são muito resistentes aos desinfetantes. Os animais infectados permanecem nesta condição para o resto da vida. As ovelhas que abortam, geralmente não repetem o episódio, porém as cabras costumam repetir os abortamentos em sucessivas gestações, onde neste caso a orientação é o descarte das fêmeas infectadas. Não se conhece o tratamento. A monensina (15 a 30 mg/cabeça/dia) administrada durante a gestação reduz a incidência de abortos
3 - Neosporose
Os abortos por Neospora caninum, pode acontecer em qualquer momento da gestação.
Transmissão
Os hospedeiros definitivos do parasito são o cachorro e outros carnívoros silvestres (ex: cachorro do mato), a via de transmissão mais importante é a vertical (da mãe para o filho), porém a ingestão de alimentos contaminados com as fezes que contenham o parasito, também é possível.
Prevenção, controle e tratamento
Para a prevenção deve-se evitar o acesso de cães e outros carnívoros nas pastagens e alimentos. Não existe tratamento para os animais infestados, permanecendo pelo resto da vida.
4 - Listeriose
O abortamento por listeriose (Listeria monocytogenes) ocorre tanto em ovino quanto em caprino e pode ocorrer a partir da 12ª semana de gestação, mas geralmente é no final que a sua atuação é maior. Alguns cabritos e cordeiros podem nascer vivos, mas morrem pouco tempo depois.
Transmissão
É eliminada por matéria fecal tanto em animais portadores sadios quanto em animais com sinais clínicos, é eliminada também pela urina, placenta, secreções vaginais durante o aborto. O microorganismo pode sobreviver no ambiente por até dois anos. A silagem mal conservada favorece o desenvolvimento do agente.
Prevenção, controle e tratamento
Fazer uma silagem de boa qualidade e evitar o fornecimento de silagens mal conservadas.
5 - Brucelose
Os abortos causados pela Brucelose se devem basicamente a três espécies do gênero Brucella: B. Melitensis, B.ovis e B. Abortus. As cabras são mais susceptíveis à infecção por B. Melitensis, do que as ovelhas. Ao contrário do que todo mundo pensa da B. Ovis, ovelhas infectadas por este agente, dificilmente abortam. No caso da B. Abortus, tanto as cabras quanto as ovelhas podem ser infectadas, porem a incidência de sintomas é mínimo em todo o mundo. Os abortos pela brucelose costuma ser produzidas durante as últimas semanas de prenhez.
Transmissão
As três espécies são excretadas nas secreções uterinas e vaginais, urina, fezes e leite, durante e após o parto ou aborto. Das Brucella, a B. Ovis é a de maior importância para a ovinocultura, por trazer um impacto sobre a fertilidade de fêmeas e machos. Ela pode ser transmitida durante a cópula, entretanto usualmente as ovelhas infectadas dessa maneira livram-se da infecção de modo espontâneo em um ou dois ciclos de estro (cio). Contudo durante esta fase essas ovelhas são fontes de infecção para outros carneiros durante o período de estação de monta.
Prevenção, controle e tratamento
As mães que abortam e os cabritos ou cordeiros sobreviventes devem ser afastados imediatamente do resto do rebanho e eliminados. Um programa contínuo de identificação sorológica das fêmeas e machos infectados permite erradicar a infecção do rebanho. Os tratamentos com antibióticos são, além de onerosos, muitas vezes ineficazes.
Potencial zoonótico
Tanto a B. Abortus como B. Melitensis produzem enfermidades ao ser humano. Ainda não se tem conhecimento de casos de infecção de B. Ovis em seres humanos. Sendo assim, para a manipulação do feto e dos restos placentários deve ser utilizado luvas.
6 - Clamidiose - abortamento enzoótico
Em ovelhas, os abortos por clamídia (Chlamydia psittaci) acontecem nas últimas 2-4 semanas de prenhez. Em cabras, pode ocorrer durante toda a gestação. Geralmente os abortos, não apresentam outros sinais clínicos nas mães. Contudo há relatos de animais que apresentaram metrite (infecção uterina), ceratoconjuntivite e pneumonias.
Transmissão
A transmissão acontece pela ingestão de material contaminado por abortamentos. As ovelhas e as cabras que abortam, podem eliminar a C. Psittaci em secreções vaginais desde 9 dias antes do aborto até 12 dias depois.
Prevenção, controle e tratamento
Os animais que abortam devem ser afastados do resto do rebanho durante no mínimo 15 dias (período da excreção da clamídia).
Potencial zoonótico
A clamidiose é uma zoonose e representa risco para as mulheres grávidas.
Considerações finais
Vale lembrar que foram citados alguns agentes causadores de abortos de maior importância na ovinocaprinocultura. Para todos os agentes citados anteriormente, o diagnóstico é de suma importância para que se possa determinar estratégias de ação (tratamento, vacinação, isolamento ou eliminação). Para isso, a consulta de um médico veterinário é essencial para a orientação e envio adequado de material para os laboratórios com consequente fechamento de diagnóstico.
Envio de material para exame laboratorial
? Fetos abortados com suas respectivas placentas. A placenta é fundamental, pois numa alta porcentagem de abortos infecciosos é o único órgão com alterações características que permitem estabelecer o diagnóstico;
? Histórico completo da propriedade;
? É importante enviar o máximo de amostras, como fetos e placentas, pois dependendo do material pode estar em diferentes estados de decomposição dificultando o diagnóstico;
? Os fetos e as placentas devem ser enviados refrigerados, evitando congelar o material, já que a congelação e a descongelação alteram a morfologia dos tecidos para o exame histopatológico;
? Vale lembrar que o correto é entrar em contato com o laboratório de destino, para eles passarem as orientações corretas, pois pode ocorrer uma variação entre laboratórios quanto ao condicionamento das amostras e tempo de envio;
? Sempre realizar a proteção individual quando for manipular os abortamentos ou coletar sangue.
Sugestão de programa para prevenção de abortos
? Instituir programa de biossegurança, realizando quarentena nos animais que chegam à propriedade antes de serem introduzidos ao rebanho residente;
? Manter bom estado corporal do rebanho, utilizando alimentos de boa qualidade, pastagens em boas condições e sal mineral à vontade e de fabricantes idôneos;
? Caso ocorram surtos de abortos, procurar orientação veterinária, para o enviou do feto (incluindo a placenta) para realizar o diagnóstico da enfermidade para instituir uma estratégia de ação sanitária no rebanho;
? Realizar sorologia especifica do rebanho;
? Instituir a vacinação no rebanho quando necessária;
? Manter piquetes separados para as fêmeas para o pré-parto e pós-parto;
? Tomar atitudes agressivas nos casos de abortamento (mandar imediatamente material para o diagnóstico, dar destino adequado para os restos de abortos, separar a mãe do aborto e se possível realizar o tratamento);
? Manter o rebanho sem estresse, alimentação adequada e manter o calendário sanitário instituído para rebanho em dia.
Bibliografia consultada
AISEN, E.G. Reprodução Ovina e Caprina. São Paulo - SP: Inter-Médica editorial, 2008, 203p.
HAFEZ, E.S.E., HAFEZ, B. Reprodução Animal. 7. ed., São Paulo - Br: Manole, 2004, 513p.
PUGH, D.G. Sheep & Goat Medicine. Philadelphia - USA: Saunders Company, 2002, 468p.
RADOSTITS, O.M., GAY, C.C., BLOOD, D.C., HINCHCLIFF, K.W. Clinica Veterinária - Um tratado de Doenças dos Bovinos, Ovinos, Suinos, Caprinos e Equinos. Rio de Janeiro - RJ: Guanabara Koogan, 2002, 1737p.
RIET-CORREA, F., SCHILD, A.L., MÉNDEZ, M.D.C. Doenças de Ruminantes e Equinos. Pelotas - RS: Ed. Universitária, 1998, 651p.