Percebemos que muitos criadores ainda têm muitas dúvidas a respeito da urolitíase obstrutiva. Como esse distúrbio causa prejuízos resolvemos dedicar um artigo para explicar algumas questões.
A urolitíase ocorre em consequência da precipitação de minerais ou substâncias orgânicas no trato urinário dos caprinos e ovinos, cursando com obstrução parcial ou total da uretra devido à presença de cálculos uretrais, sendo classificada como urolitíase obstrutiva. Ocorre então interrupção parcial ou total do fluxo da urina.
É um distúrbio metabólico de importância em machos jovens mantidos em confinamento, com pouca oferta de água, associada a dietas ricas em concentrados levando a um aporte excessivo de fósforo com desequilíbrio na relação Ca e P da dieta.
Nas fêmeas não ocorre urolitíase obstrutiva porque a uretra é curta e calibrosa e o rápido fluxo da urina, por ocasião da micção garantem a eliminação da maioria dos cálculos. A urolitíase é também chamada de síndrome porque há combinação de fatores fisiológicos, nutricionais e de manejo envolvidos para que seja desencadeada.
Como o cálculo é formado?
Há três grupos de fatores que levam à formação dos cálculos...
1) Fatores que favorecem o desenvolvimento de um núcleo. O núcleo é o começo de tudo, é formado por células epiteliais descamadas ou tecido necrótico como consequência de inflamação, colóides e por precipitação de bactérias. A falta de vitamina A ou adminsitração de estrogênio favorece a descamação celular e formação de núcleo. Esses materiais orgânicos vão servir de base para agregação dos minerais.
2) Fatores que facilitam a precipitação dos solutos no núcleo. A urina é instável, há muito soluto, mas possui um colóide protetor que a mantém em forma de gel. No entanto, o excesso de ingestão de plantas com sílica ou com ácido oxálico e grande quantidade de fosfato na dieta aumentam ainda mais a quantidade de solutos e o colóide não consegue mais manter uma solução, portanto, começa a ocorrer precipitação. O fornecimento de grãos em algumas refeições em grande quantidade também é fator porque reduz o volume urina e concentra-a favorecendo a precipitação.
3) Fatores que favorecem a concreção pela consolidação dos sais precipitados para o desenvolvimento do cálculo. Isso ocorre quando se tem mucoproteínas que são originadas quando se tem excesso de concentrado e falta de volumoso na dieta.
Os cálculos podem ser de:
- Carbonato de cálcio: pela ingestão de trevo e plantas com oxalato, sendo mais raros.
- Sílica: pela ingestão de gramíneas como Brachiaria, Buffel, cetária, em geral as que tem pêlos.
- Carbonato de amônio.
- Carbonato de magnésio.
- Extruvita: em animais confinados recebendo muitos grãos.
- Fosfato de amônio: animais confinados.
No Brasil o cálculo mais comum é o de extruvita, sendo formados vários cálculos. Geralmente em animais de pista porque recebem grande quantidade de grãos e relação de volumoso e conconrado baixa. Lembrem-se de que os grãos são ricos em fósforo (P) e magnésio (Mg) e pobres em cálcio (Ca). Além disso, há uma relação entre P e Ca, a quantidade de um afeta a biodisponibilidade de outro.
Para entender a formação do cálculo precisamos compreender a excreção de fósforo no organismo animal...
Figura 1 - Desenho esquemático do metabolismo do fósforo no organismo dos ovinos.
Os ruminantes excretam o fósforo pelas fezes, mas quando a ingestão desse elemento é elevada, podem excretá-lo pela urina. Como sua urina tem pH elevado (básica) favorece a precipitação do fósforo na forma de cristais de fosfato (cálculos).
A saliva dos ruminanes é rica em P, essa fornece cerca de 60% de todo o P que chega no organismo animal e o restante tem origem na alimentação. Nos ovinos a secreção de P na saliva chega a 10 g/dia. O fósforo da saliva chega até os intestinos onde parte será reabsorvida pela circulação sanguínea e parte excretada nas fezes. Quanto mais P for ingerido, mais esse será absorvido até o limite de transporte. Então, grande parte do P é utilizada pelas glândulas salivares.
Se o animal ingere muito grão, ele vai ingerir muito fósforo e esse vai sendo absorvido pelo organismo. Entretanto, se não há volumoso na dieta, não há estímulo para produção de saliva, pois os grãos não necessitam de tanta mastigação quanto as fibras das plantas. Sendo assim, o fósforo fica em excesso na circulação e acaba sendo enviado aos rins para excreção.
Como a a urina é alcalina (pH 7,6 - 8,4), o P fica insolúvel, acumula-se no colóide na bexiga, acaba precipitando e formando cristais com o cálcio e o magnésio. Esses irão concretar junto ao núcleo conforme vimos nos fatores que levam à formação dos cálculos.
Os cálculos ficam na bexiga e no momento da micção podem se deslocar para a uretra impedindo a passagem da urina. É mais comum ocorrer obstrução na flexura sigmóide (Figura 2a) e no apêndice vermiforme dos machos ovinos (Figura 2b) devido ao menor calibre e à curvatura.
Figura 2 - Locais mais frequentes em que ocorre obstrução por cálculos.
A característica obstrutiva do processo define, inclusive, todo quadro sintomatológico, que pode ser dividido em três fases básicas.
A primeira é aquela em que há apenas a obstrução da uretra. O animal mostra sinais dor, fica agitado, agita a cauda, tenta a micção e não consegue. Assume então, um posicionamento típico, com os membros posteriores distendidos e frequentes contrações abdominais. A urina pode gotejar pelo prepúcio, às vezes com sangue quando não há obstrução total. Nota-se hipersensibilidade à palpação. Pode também haver exposição do pênis e entumescimento (Figura 3 e 4).
Figura 3 - Ovino com urolitíase, observe pênis edemaciado.
Figura 4 - Ovinos com obstrução uretral há vários dias. Note a expressão de dor.
Numa segunda fase, há a ruptura da uretra. Os sintomas anteriores permanecem, mas a região ventral do abdome, ao longo do trajeto peniano, apresenta-se edemaciado e com infiltração de urina. Em certos casos, esse infiltrado atinge o saco escrotal.
Finalmente, na terceira fase, há a ruptura da bexiga. Essa fase chama a atenção pelo fato do animal mostrar inicialmente sinais de melhora, pois há um alívio da pressão urinária que diminui a dor. Todavia, passadas poucas horas o animal vem a óbito.
O diagnóstico é feito com base nos sinais clínicos que podem variar.
- Cálculos na pelve renal ou ureteres: andar rígido, dor no lombo. A confirmação acaba sendo feita somente na necropsia.
- Cálculos obstruindo a uretra: dor abdominal, coices no abdomen, pateamento dos membros torácicos, balançar da cauda, contração repetida do pênis, grunhidos, ranger de dentes, depressão repentina, anúria ou poucas gotas de urina.
- Ruptura da uretra ou bexiga: normalmente ocorre quando se passam 48 horas sem intervenção nenhuma, ocorre alívio imediato e momentâneo para o animal.
Observa-se aumento de volume abdominal pelo depósito de urina na cavidade. A pele sobre área edemaciada pode começar a necrosar e drenar. Há anorexia, depressão, na percussão tátil nota-se uma onda de líquido e culmina com morte dois a três dias após ou na ruptura da bexiga por hemorragia.
Podem ser feitos exames complementares como urinálise, no qual são encontrados eritrócitos, células epiteliais, cristais, agregados e bactérias no caso de infecção. Outra forma é a presença de uréia no sangue. Pode-se ainda fazer avaliação por ultrasonografia para verificar a presença de cálculos flutuantes e líquido na cavidade abdominal quando houver ruptura de bexiga
Na necropsia pode ser observada dilatação de ureter e hidronefrose, bexiga repleta de urina (Figura 5), presença de cálculos e rupturas.
Figura 5 - Necropsia de carneio: bexiga distendida repleta de urina devido à obstrução.
Não se tem tratamento eficaz, por isso a prevenção é o ponto chave! Para isso devemos conhecer bem os fatores predisponentes à urolitíase obstrutiva!
Quando detectado o problema em um animal devemos fazer uma avaliação geral da dieta do rebanho e ficar atentos a novos casos.
Se houver obstrução total e o animal não conseguir urinar, é necessário auxílio de um médico veterinário. Dependendo da localização, número e tamanho dos cálculos pode ser realizada uma cirurgia para retirada. Há mais chance de sucesso quando so cálculos estão no processo uretral, pois esse pode ser removido cirurgicamente sem danos ao animal. No Texto Complementar I há o relato de casos de urolitíase com tratamento cirúrgico.
Quando o animal consegue urinar, mas com muita dificuldade pode-se tentar o uso de substâncias analgésicas, antiespasmódicas, antiinflamatórios e antibióticos para eliminação do cálculo, mas a chance de êxito é baixa. Segundo Machen (2010), deve-se deixar o animal em jejum por 24 horas e administrar via oral o cloreto de amônio (0,20 a 0,33 g/kg de peso corporal) para acidificar a urina e, assim, dissolver os cristais de estruvita. Deve-se manter essa administração por uma semana, devido à provável presença de múltiplos cálculos na bexiga. Pode haver dificuldade de misturar o cloreto de amônio na água se essa for salina. Há risco de intoxicação pelo cloreto de amônio, mas é menos arriscado que não utilizar, já que a obstrução pode causar morte.
A recomendação básica é fornecer uma dieta equilibrada com alta proporção volumoso:concetrado e relação cálcio:fósforo de no mínimo 2:1. ter sempre à disposição água de qualidade.
O problema pode ser evitado fornecendo volumoso de boa qualidade à vontade e moderada quantidade de concentrado para animais com mais de quatro meses de idade. Animais castrados têm maior chance de obstrução devido ao calibre da uretra e processo uretral serem menores quando comparados aos de machos não castrados.
Atenção especial deve ser dada a machos reprodutores adultos (carneiros e bodes), que devem ser alimentados com base em volumosos de boa qualidade, evitando o excesso de ração concentrada, que comumente ocorre em animais de pista.
Nos casos em que há necessidade de incluir maior quantidade de grãos na dieta, pode-se fornecer cloreto de amônio 1,5% na dose de 10 g/dia/animal. Isso vai favorecer a acidificação da urina que impede a formação do calculo por diminuir o pH urinário, bem como também propicia maior absorção do fósforo no intestino. Se os animais estiverem em pastagem recebendo suplementação protéica pode-se alterar a dose para 15 g/animal/dia. A acidez da urina dissolve os cristais, não permitindo, assim, a formação dos urólitos (Silva, 1997). Outra opção, é fornecer cloreto de cálcio 1,5% na dose de 14 g/dia/animal. O excesso de grãos, além de causar desequilibrio Ca:P ainda aumenta a concentração de mucoproteína na urina que age como cemento (concreção). Evitar alimentação rica em pastagens que contém sílica e oxalatos.
Deficiência de vitamina D pode aumentar a concentração de cálcio na urina e de vitamina A pode propiciar mais descamação na bexiga e formação de núcleo. Cistites e uretrites prodispõe a alteração de pH urinário havendo formação de compostos salinos insolúveis e colóides estranhos à urina como sangue e pus. Além disso, as bactérias são fontes para formação do núcleo.
Agora que você já entendeu tudo sobre a urolitíase avalie a dieta do seu rebanho e verifique se está ofertando o que seus animais precisam sem exageros, pois lembre-se de que a prevneção é a solução!