As bactérias da espécie Listeria correspondem ao agente causador da doença. Segundo Schild (2001) esses microorganismos encontram-se largamente distribuídos na natureza, podendo ser encontrados no solo, plantas, silagem, aguadas, paredes e pisos de instalações, podendo ser isolados inclusive das fezes e secreções nasais de animais doentes e sadios. Em virtude do caráter infeccioso e da susceptibilidade de ovinos e caprinos à doença, o objetivo dessa revisão é abordar os principais aspectos relacionados a epidemiologia, diagnóstico e prevenção da listeriose em pequenos ruminantes.
A doença
A listeriose afeta várias espécies animais, induzindo três formas de manifestação clínica, segundo Rissi et al., (2006) e Schild (2001):
1 - septicemia ou infecção generalizada manifestada pela formação de abscessos em vísceras como fígado e baço, comumente observada em ruminantes, suínos, coelhos e aves recém-nascidas;
2 - aborto, metrite e placentite que ocorrem em bovinos e ovinos;
3 - doença neurológica caracterizada como meningoencefalite, principalmente observada em ovinos, caprinos e bovinos. Geralmente, em caso de surto, apenas uma dessas três formas clínicas se manifesta no rebanho.
A listeriose é causada principalmente pelas bactérias L. monocytogenes e L. ivanovii (esta em menor frequência) em ovinos e caprinos (Figura 1). Segundo Ryser & Marth (2007), os ovinos apresentam uma susceptibilidade 34% maior para a listeriose em relação aos bovinos, evidenciando uma maior suscetibilidade dessa espécie à doença.
A incidência da enfermidade pode ser considerada baixa e esporádica, sobretudo em condições nacionais. Em estudo recente, identificou-se a listeriose como agente causador de cerca de 6% dos casos de doença neurológica em ovinos e caprinos do semi-árido brasileiro (GUEDES et al., 2007).
Figura 1 - Bactérias do gênero Listeria (Cocobacilos) no interior de células de defesa do organismo.(Adaptado de D´ARCE, 2004).
Epidemiologia e fatores predisponentes
A listeriose é uma doença de ocorrência mundial, especialmente em países de clima temperado. Segundo revisões de Rissi et al., (2006), a doença se manifesta nos animais principalmente nos meses de inverno e início da primavera em associação ao consumo de silagem. A silagem de má qualidade (sobretudo àquelas onde ocorreu pouca fermentação, favorecendo a manutenção do pH acima de 5,5, situação comum na silagem da superfície ou borda dos silos onde frequentemente ocorre deterioração aeróbia) fornecem condições ideais para o crescimento e manutenção da Listeria (RADOSTITIS et al., 2002; SCHILD, 2001), favorecendo a disseminação da doença.
Outros fatores nutricionais como a utilização de cama de frango para a nutrição animal (proibida em todo o território nacional em virtude dos riscos de transmissão de encefalopatias aos animais) também predispõe a ocorrência dos surtos da doença. No entanto, a ampla difusão ambiental frequentemente dificulta o diagnóstico e a clara identificação de um determinado surto, devendo-se considerar outras fontes de contaminação além do consumo de silagem.
A infecção por Listeria acontece no momento da ingestão dos alimentos contaminados, quando frequentemente ocorrem pequenos traumatismos na mucosa da boca e da faringe (orofaringe) ou através da penetração direta pelas células intestinais. Quando a infecção ocorre via orofaringe observa-se uma penetração bacteriana ascendente através de nervos (via bainha neural das terminações nervosas do nervo trigêmeo) que conduzem o microorganismo até o cérebro, causando os sinais clínicos de incoordenação motora, andar em círculos, desvio lateral de cabeça (torcicolo) e do corpo, paralisia facial (caída de orelha e pálpebra superior), flacidez do lábio superior que evolui para a dificuldade de apreensão e mastigação dos alimentos (SCHILD, 2001). A morte geralmente ocorre após uma a duas semanas do início das manifestações clínicas (Figura 2).
Figura 2 - Assimetria e paralisia facial, característica de lesão unilateral do nervo trigêmeo em função do quadro de listeriose. *Adaptado de BRUGERE-PICOUX, (2008).
Por outro lado, quando a penetração bacteriana ocorre pela via intestinal, além dos sinais neurológicos (desenvolvimento da meningoencefalite pela chegada de bactérias através do sistema sanguíneo) pode ocorrer o aborto no terço final de gestação provocado por edema seguido de necrose placentária após proliferação uterina, além da possibilidade de infecção generalizada (septicemia), com a formação de abscessos em órgãos como baço, fígado, rins e coração. A listeriose também pode ocasionar mastite clínica e subclínica que geralmente se manifestam em um único quarto do úbere e caracterizam-se, frequentemente, pela baixa responsividade ao tratamento.
Diagnóstico e controle da doença
O diagnóstico da doença é feito pela observação dos sinais clínicos e pela realização de exames laboratoriais de sorologia (pouco sensíveis) ou isolamento dos microorganismos a partir de amostras de fluido espinal, sangue, tecido nervoso, baço, fígado, fluido do abomaso e mecônio dos animais suspeitos.
O tratamento da listeriose é realizado através do uso de antibióticos como tetraciclina ou penicilina, sendo que a Listeria monocytogenes também apresenta susceptibilidade a sulfonamida-trimetropim, ceftiofur e eritromicina. No entanto, a terapêutica geralmente não impede a morte dos animais acometidos já que a Listeria consegue se "esconder" das drogas no interior de outras células do organismo, especialmente no interior do sistema nervoso central (REBHUN et al., 2000).
Frente às dificuldades de tratamento, destaca-se a prevenção como principal medida de controle da doença. Boas práticas de manejo como a limpeza de instalações e de cochos, correta vedação e compactação de silos, oferecimento de silagem de boa qualidade realizando-se a adaptação prévia dos animais antes da introdução da silagem na dieta, representam as principais ações de combate a listeriose.
Em função do potencial zoonótico da doença, preconiza-se a pasteurização do leite previamente ao consumo ou processamento em derivados (representam a principal fonte de infecção para o homem) como a principal medida para a prevenção da listeriose humana (PINTADO et al.,2009).
Referências bibliográficas
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