Introdução
Em sua maioria, os rebanhos de pequenos ruminantes no Brasil são criados de forma extensiva e em média e pequena escala. No entanto, observa-se uma mudança gradativa para criações semi-intensivas e intensivas, assim como no tamanho das criações, devido a maior demanda de subprodutos e da adoção de novas tecnologias.
As infecções parasitárias são o principal entrave na produtividade da ovinocultura e caprinocultura com alto índice de morbidade e mortalidade. Na tentativa de evitar tais perdas, o produtor utiliza drogas antiparasitárias em períodos curtos e regulares, como ocorre em uma propriedade em Restinga Seca, RS onde o produtor trata seus animais em intervalos de 21 dias em média, promovendo inclusive uma relação desfavorável de custo-benefício.
Técnicos e produtores de pequenos ruminantes têm manifestado grande preocupação em relação à falta de eficácia dos anti-helmínticos disponíveis. Em recente levantamento nacional com 60 produtores de ovinos e caprinos foi determinado que 60,7% dos criadores obtêm informações quanto à escolha e uso de anti-helmínticos a partir de sugestões obtidas com técnicos e médicos veterinários, tanto de Universidades como atuantes no campo. Verificou-se também que esses produtores tratam seus animais em média 4,6 vezes ao ano e que 86% destes utilizam o esquema de alternância rápida de princípios ativos.
O programa Australiano de controle parasitário estratégico para ovinos, "DrenchPlan", recomenda que o segundo tratamento do verão (estação seca: menor número de larvas na pastagem) se baseie no resultado da contagem de ovos nas fezes. O objetivo deste cuidado extra é evitar tratamentos antiparasitários desnecessários e a seleção de populações resistentes. Não só no Brasil como em vários países, tem sido observada uma grande diminuição da eficácia dos produtos antiparasitários.
Hoje se sabe que o nematoda Haemonchus contortus foi selecionado ao longo dos últimos 40 anos e em certas regiões existem cepas deste nematoda que não são eliminados, mesmo utilizando a maioria das drogas (Tabela 1). O controle deste organismo é fundamental devido ao seu grande potencial biótico e sua patogenicidade.
Tabela 1: Percentual de propriedades de criação ovina com problemas de resistência anti-helmíntica em quatro países da América do Sul.
NO: Não observado.
Pesquisadores da área de pequenos ruminantes têm discutido a eficiência do tratamento de todos os animais do rebanho e a possibilidade do tratamento de uma porção deste, sendo possível que somente um grupo de animais do rebanho contenha níveis indesejáveis de infecção a ponto de causar perdas econômicas significativas. Estes animais são chamados de susceptíveis, enquanto os demais podem apresentar grau de parasitismo leve e sem sinais clínicos: resilientes, ou nulo: resistentes. A isto se define como "tratamento seletivo" do rebanho.
Método Famacha
Um dos fatores mais preocupantes no combate ao parasitismo é a falta de um método de diagnóstico prático, rápido e seguro durante o manuseio dos animais. A prova laboratorial mais utilizada é o teste que determina a redução de ovos nas fezes através do exame da OPG, realizada antes e após o tratamento anti-helmíntico e que demanda o processo das fezes por técnico.
Então, a partir do ano de 1991 o Dr. François Malan, da África do Sul, realizou estudos correlacionando os valores de hematócrito e a cor da conjuntiva de ovinos com diferentes graus de verminose causada pelo H. Contortus. O método FAMACHA (Faffa Malan Chart) foi lançado em 1997 com o objetivo de identificar individualmente os animais que necessitam ou não serem tratados contra esta verminose.
Na Tabela 2 estão descritos os cinco graus de coloração da mucosa. O exame é feito por meio de uma avaliação visual para definir a coloração da conjuntiva frente a um cartão de cores que foi preestabelecido com auxílio de computação gráfica e que acompanha a técnica (Figura 1). Na África do Sul, o método FAMACHA foi utilizado durante o período de 1998 a 1999 avaliando 13 rebanhos em diferentes regiões. Após este período, foi observada uma redução entre 38 e 96%, com média de 58,4%, nos custos com medicamento.
Tabela 2. Informações contidas no cartão FAMACHA: grau de anemia, previsto pelo valor correspondente de hematócrito segundo a coloração da conjuntiva, e indicações para tratamento dos animais.
* A estimativa das cores deve ser aproximada devido à divergência de interpretação no momento do exame clínico.
** A indicação do tratamento antiparasitário no cartão é baseada unicamente na coloração da conjuntiva.
Figura 1. Forma correta de avaliar a conjuntiva em ovinos e caprinos com a utilização do cartão.
- Examinar o animal sob luz natural.
- Expor a conjuntiva pressionando a pálpebra superior com um dedo polegar pressionando levemente a pálpebra inferior para baixo com o outro.
- Evitar a exposição parcial da membrana interna da pálpebra (terceira pálpebra) e do olho.
- Observar a coloração na parte medial da conjuntiva inferior.
- Determinar o grau (ver cartão) e prosseguir com o manejo.
- Na dúvida, optar pelo grau inferior.
Abaixo estão listadas as vantagens de se utilizar o método FAMACHA:
• Identificar animais clinicamente infectados
• Implantar na rotina da propriedade realizando avaliações com intervalo regulares
• Tratar os animais antes do aparecimento de complicações clínicas
• Melhorar a seleção de animais: susceptíveis - resilientes - resistentes
• Reduzir o número de tratamentos antiparasitários
• Reduzir a quantidade de compostos químicos lançados ao meio ambiente
• Aumentar a relação custo-benefício na produção
• Treinar mão de obra técnica especializada
• Facilitar a inserção de produtores em programas de certificação fiscalizada/orgânica
Utilizando o método FAMACHA - Ovinos
O método FAMACHA foi introduzido no Brasil no ano 2000 com o objetivo de comprovar sua validade em ovinos e caprinos, identificando características próprias em nossas condições e divulgar o método para profissionais de sanidade animal. Desde então, mais de 2000 pessoas, entre Médicos Veterinários, estudantes de Medicina Veterinária e Zootecnia, produtores e técnicos, já foram treinadas. Profissionais de vários países têm utilizado o método e no Brasil já existem inúmeras propriedades que utilizam a técnica com graus variados de eficiência. Várias Universidades (UFSM, UNIPAR, UFU, UFPR, UFBA, UFGO, UNESP, UNIPAC, UFRN, entre outras) já incluíram o método FAMACHA em seu currículo dentro da disciplina de Doenças Parasitárias e/ou Ovinocultura e Caprinocultura.
No primeiro estudo em ovinos no Brasil, foi relatado que após a utilização deste método durante um período de 120 dias, foi possível reduzir em 79,5% as aplicações com medicação antiparasitária em Umuarama, PR. A eficácia da ivermectina, avaliada por testes seriados de contagem da OPG, se manteve inalterada (90%) durante o período experimental.
Resultados semelhantes foram observados em um segundo estudo utilizando-se 36 animais naturalmente infectados, acompanhados entre outubro de 2001 a março de 2002. No primeiro exame, 38% do rebanho foi tratados. Após 180 dias, somente dois animais apresentaram hematócrito abaixo de 22%, revelando total ausência de sinais clínicos de infecção parasitária (edema submandibular, diarréia, apatia, perda de peso, subnutrição). Nenhum animal foi identificado como grau 4 ou 5. No total, 29 animais necessitaram ser tratados uma vez, cinco animais necessitaram ser tratados duas vezes e somente dois animais necessitaram ser tratados três vezes. Nenhuma morte foi observada durante a fase experimental. O grau FAMACHA teve um coeficiente de correlação de 0,84 com os valores de hematócrito. No entanto, alguns animais não apresentaram sinais de anemia correspondente ao elevado resultado de OPG neste período, indicando que outros vermes não-hematófagos (Trichostrongylus sp.) poderiam estar presentes.
Ao final do estudo foi observada uma redução de custo/tratamento na ordem de 75,6%. No Rio Grande do Sul, o método Famacha vem sendo utilizado em 155 ovinos cruzados Texel e Ile de France (produção de lã e carne). O histograma abaixo (Figura 2) demonstra o percentual de animais em cada categoria do método durante junho de 2003 e janeiro de 2004 com uma média de 91% de animais não tratados. Estes dados indicam uma economia de aproximadamente 70% em relação ao custo da medicação antiparasitária quando comparado ao mesmo período do ano anterior.
Figura 2. Percentual de animais por categoria do método Famacha no período de junho de 2003 a janeiro de 2004 em ovinos Texel e Ile de France em Santa Maria, RS.
Utilizando o método FAMACHA - Caprinos
A aplicação do método em caprinos deve considerar alguns critérios específicos. Em condições brasileiras, a correlação entre os valores de hematócrito e a coloração da conjuntiva nesta espécie, apresentou diferença significativa em relação aos dados da OPG. Para a espécie caprina, 11 animais mestiços adultos foram observados (dois machos e 9 fêmeas no período periparto). Foi observada que a coloração da conjuntiva de caprinos sadios tem menor intensidade quando comparada com ovinos sadios. Acredita-se que o preenchimento capilar nos caprinos seja mais demorado que em ovinos, devendo-se a mucosa ser observada pelo menos oito segundos após a sua exposição na primeira espécie, enquanto que em ovinos a observação é imediata. Nesse experimento foram identificados corretamente sete dos 11 animais. De acordo com os dados obtidos, o método Famacha foi válido para os animais: 1, 3, 5, 6, 8, 10 e 11, correspondendo a 73% de acerto. Destes, somente os animais 6 e 11 poderiam sofrer sérias conseqüências com o uso deste método, devido ao fato de terem apresentado OPG de 2.700 e 1.100, respectivamente. A avaliação clínica determinou que a condição sanitária, o estado nutricional e a condição reprodutiva do rebanho também podem comprometer o grau de acerto.
Treinamento técnico
Todas as etapas do exame clínico devem ser acompanhadas por técnicos treinados que deverão conferir o valor predito para o grau FAMACHA, adquirindo maior confiabilidade ao longo de sua utilização. Foi observada grande diminuição das variações entre os valores estimados pelo guia e os valores de hematócrito.
A funcionalidade do método Famacha foi avaliada por meio de um questionário onde 89% dos entrevistados consideraram que os benefícios deste guia estão entre muito bom e excelente, comparado com 3% que opinaram como ruim e fraco. A praticidade de utilização do método foi definida como sendo muito boa e excelente por 77% dos entrevistados, comparada com 10% que definiram-na como ruim e fraca.
Cuidados iniciais
Nós observamos que o método apresenta baixa correlação entre o grau de coloração da conjuntiva e o resultado da OPG em ovelhas no terço final de gestação. O que deve servir como um alerta, porém que não prejudica sua aplicação, pois conforme observado, um maior número de animais apresenta palidez fisiológica, não caracterizando um estado anêmico.
No Uruguai, o método Famacha foi utilizado durante os anos de 1999/2000 e 2001/2002 com resultados distintos. Os animais foram divididos em três grupos de 30 animais como: A - grupo supressivo: com tratamento antiparasitário de todo o rebanho a cada 30 dias; B - grupo estratégico: com três tratamentos em todo o rebanho e C - grupo Famacha: com somente tratamentos individuais.
O hematócrito, coprocultura, peso vivo e condição corporal foram avaliados durante o período. O ano de 1999 foi atípico para a região e pode ter favorecido a metodologia do método Famacha. No período seguinte, as condições ambientais favoreceram o aparecimento de uma carga de H. Contortus mais intensa, demonstrada pela alta correlação entre o hematócrito e a conjuntiva. Devido a esta intensidade de infecção foi relatada a ocorrência de 13 mortes causadas por verminose, 10 do grupo Famacha e três do grupo Estratégico. É imperativo ressaltar que a metodologia utilizada no ensaio uruguaio utilizou o tratamento dos animais de grau 4 e 5, não incluindo o grau 3, como indica o método na sua nova versão a partir de 2000.
Cuidados importantes
• Utilizar o método após treinamento
• Utilizar o método somente contra o Haemonchus contortus
• Avaliar outras causas de anemia: subnutrição, enfermidades: Fasciola hepatica
• Avaliar outras causas de vermelhidão: temperatura corpórea elevada, corpo estranho
• Utilizar o método como estratégia auxiliar dentro de um programa sanitário integrado
• Tratar os animais por meio de estimativa visual e comparar com o cartão de cores
• Manter um monitoramento com exames de OPG e coprocultura
• Avaliar cuidadosamente cordeiros a partir da 4o semana de vida até o 6o mês devido à maior susceptibilidade a verminose
Conclusões
A grande redução nos custos de tratamento, a diminuição no volume de substâncias lançadas no meio ambiente, a identificação de animais resistentes, resilientes, susceptíveis e a manutenção da eficácia dos compostos químicos por períodos prolongados fazem do método Famacha um sistema atraente para nossos produtores.
Entretanto, deve-se ter em mente que mesmo após a introdução desta técnica na propriedade, outras formas de controle parasitário devem ser integradas com o SICOPA - Sistema Integrado de Controle Parasitário, para um maior sucesso no manejo sanitário do rebanho. Isto inclui, manejo das pastagens, carga animal, nutrição, adoção de rigoroso programa antiparasitário estratégico e teste periódico de eficácia das drogas, sempre auxiliadas por profissional técnico.