O período de desenvolvimento inicial, logo após o parto, é o mais delicado e decisivo dentro de uma propriedade (CRESPILHO, 2009). Em virtude da vulnerabilidade dos recém nascidos nas primeiras semanas de vida, essa categoria animal requer maior atenção no dia a dia da criação de ovinos e caprinos, exigindo cuidados redobrados para garantir o pleno desenvolvimento do indivíduo.
Em virtude da maior fragilidade de borregos e cabritos em relação aos animais adultos, uma série de doenças oportunistas pode se desenvolver nas primeiras semanas de vida após o parto, como é o caso das infecções de umbigo ou onfalites. Em virtude do expressivo prejuízo econômico relacionado às infecções umbilicais, que determinam a queda no ganho de peso e até mesmo a morte dos animais acometidos, o objetivo dessa matéria é abordar os principias aspectos relacionados a onfalite em pequenos ruminantes.
A doença
As patologias do umbigo podem ser classificadas quanto a sua origem ou região acometida, que pode ser extra abdominal (onfalite, infecção apenas do umbigo) ou intra-abdominal (onfaloflebite, que acomete o umbigo e veia umbilical; onfaloarterite, que além do umbigo atinge a artéria umbilical; uraquite, que representa a infecção de umbigo e úraco; além da associação de outros órgãos). A Figura 1 ilustra a anatomia do cordão umbilical, que é formado por duas veias (dispostas dorso cranialmente) e duas artérias que se direcionam dorso caudalmente (Almeida et al., 2000).
A onfalopatia infecciosa dos borregos e cabritos corresponde à inflamação e infecção dos componentes umbilicais, envolvendo as artérias e veias umbilicais, úraco e tecidos adjacentes ao umbigo, podendo causar quadros de septicemias (infecções generalizadas), com a propagação ascendente da infecção para outros órgãos ou tecidos através da corrente sanguínea. O quadro de septicemia pode-se manifestar de forma aguda ou crônica, levando a infecções secundárias que podem atingir às articulações (artrite dos recém nascidos), meninges (meningites bacterianas), olhos (uveítes, cegueira), coração (endocardites bacterianas), ou ainda, determinando a formação de abscessos que podem se localizar em órgãos como fígado e coluna.
Entre as causas bacterianas das onfalites encontra-se, geralmente, uma flora polibacteriana, incluindo Staphylococcus spp., Streptococcus spp., Actinomyces pyogenes, Escherichia coli e Proteus spp. (RIET-CORREA, 2001). Outro agente que se destaca como causador das infecções umbilicais representa a mosca Cochliomya hominivorax, o agente da bicheira.
De acordo com Marques et al., (2004), um dos principais fatores predisponentes das onfalites é o manejo higiênico sanitário inadequado, especialmente em relação aos cuidados com a "cura" do umbigo dos recém nascidos logo após o parto.
Figura 1 - Dissecção dos vasos que compõe o cordão umbilical em ovinos. Onde, A: conjunto de artérias umbilicais; B: conjunto de veias do umbigo.
Principais complicações das onfalopatias
Dentre às infecções secundárias que ocorrem como consequência da infecção de umbigo, a mais frequente é a poliartrite, que geralmente se apresenta na primeira ou segunda semana de vida (RIET-CORREA, 2001), sendo conhecida popularmente como "caruara".
Já os abscessos vertebrais e paravertebrais correspondem às infecções secundárias de maior gravidade, apresentando uma maior incidência em bovinos em relação aos pequenos ruminantes (dados que provavelmente se justificam pelo menor número de necropsias realizadas em borregos e cabritos em relação aos bezerros).
Os abscessos hepáticos também representam complicações frequentes dos processos envolvendo os vasos sanguíneos umbilicais (onfaloflebite e onfaloarterioflebite), em virtude do íntimo contato entre às estruturas que compõe o umbigo e o fígado (Figura 2).
Figura 2 - Direcionamento da veia umbilical (A) em relação ao parênquima hepático, demonstrando a íntima relação anatômica entre às estruturas.
Sinais Clínicos
Os sinais clínicos variam de acordo com a estrutura ou região anatômica envolvida na onfalopatia. No caso das infecções bacterianas, o umbigo apresenta-se edemaciado, dolorido à manipulação e frequentemente drena secreção serosa ou purulenta (RIET-CORREA, 2001). A infecção tende a se agravar quando associada à bicheira, levando a intensa inflamação e hemorragias umbilicais pela ação local das larvas.
Através das veias e artérias umbilicais, as bactérias podem deixar o umbigo e chegar até as articulações, levando ao aumento de volume e dor intensa, que por sua vez determinam os quadros de manqueira severa e poliartrite. Já nos quadros de formação de abscessos medulares ocorre compressão da medula óssea levando ao andar cambaleante, ataxia e paralisia de membros (FINLEY, 1975).
Em virtude da natureza infecciosa das onfalopatias, os animais acometidos frequentemente apresentam sintomas gerais de doença como febre, prostração, queda no ganho de peso e decúbito que podem evoluir para a morte.
Diagnóstico e Tratamento
O diagnóstico é realizado através da observação dos sinais clínicos e achados de necropsia dos animais que vem a óbito nas primeiras semanas de vida. Estabelecido o diagnóstico, o tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível para a prevenção das infecções generalizadas.
Quando a patologia se restringe apenas ao umbigo, não havendo comprometimento sistêmico, pode-se realizar a incisão e drenagem dos abscessos, seguido da lavagem local com soluções antissépticas à base de iodo, clorexidine ou hipoclorito de sódio.
Já para os quadros em que se observa comprometimento generalizado, como é o caso das artrites, preconiza-se a administração de agentes antimicrobianos de largo espectro como sulfas e penicilinas, sempre por períodos superiores a 10 dias.
No caso da formação de abscessos internos, pode-se realizar o tratamento cirúrgico para a retirada da massa (FIGUEIREDO, 1999), associado à administração de antibióticos e antiinflamatórios.
Figura 3 - Abscesso umbilical (SETA) formado em consequência da onfalopatia bacteriana.
Prevenção
Dentre os cuidados com os recém nascidos, a desinfecção ou "cura" do umbigo representa uma das principais medidas para a prevenção das infecções umbilicais, diminuindo significativamente a mortalidade animal nas primeiras semanas de vida. Nesse sentido, a desinfecção do umbigo pode ser realizada com solução à base de iodo na concentração de 5% a 10%, realizada imediatamente após o nascimento e continuada até a completa secagem do umbigo. A aplicação de agentes larvicidas também pode ser incorporada como medida preventiva para a instalação das bicheiras umbilicais.
No entanto, cabe ressaltar que a observação de um adequado manejo higiênico-sanitário e nutricional representam as principais medidas de prevenção, não apenas da onfalite infecciosa, como também das demais enfermidades que causam prejuízos irreparáveis à produção de ovinos e caprinos.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, J.M.; et al. Morfologia do funículo umbilical em ovinos deslanados mestiços. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science v.37, n.3, 2000. Disponível em: www.scielo.br. Acesso em 10/09/2010.
CRESPILHO, A.M. Mortalidade perinatal em caprinos - Parte 2. FarmPoint, 01/10/2009. Disponível em www.farmpoint.com.br/sanidade. Acesso em: 14/09/2010.
FINLEY, G.G. A survey of vertebral abscess in domestic animals in Ontario. Canadian Veterinary Journal, v.16, n. 4, p.114-117, 1975.
FIGUEIREDO, L.J.C. Onfalopatias de Bezerros. Salvador: EDUFBA, 1999, 94p.
MARQUES, L.C.; et al. Abscessos em coluna vertebral de bezerros e cordeiros: aspectos neurológicos. Revista de Educação Continuada do CRMV-SP, v.7, .n.1/3, p. 15-22, 2004.
RADOSTITS, O.M.; et al. Clínica Veterinária, 9.ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p. 56-59, 2002.
RIET-CORREA, F.; SCHILD, A. L.; LEMOS, R. A. A.; BORGES, J. R. J. Doenças de
ruminantes e equídeos. 3.ed., Santa Maria: Pallotti, p. 405-406, 2007.