Ovinos manejados inadequadamente, mal nutridos, com elevado grau de estresse, são mais susceptíveis às infecções parasitárias e adoecem rapidamente. O problema torna-se ainda mais grave com o uso de anti-helmínticos ineficazes vinculado à falta de adequados programas de controle parasitário.
Por isso, o tratamento da verminose passa a ser muito mais amplo do que somente a administração de vermífugos, sendo necessário o entendimento de todos os fatores que interferem na doença. Os sistemas de produção refletem na sanidade do rebanho, pois englobam fatores nutricionais, ambientais e o bem-estar animal (Figura 1). Nessa primeira parte do artigo vamos discutir sobre a relação entre esses fatores, que são variáveis nos sistemas de produção, e que interferem na infecção parasitária, na contaminação ambiental e na resposta do animal à verminose.
Figura 1 - Fatores inerentes aos sistemas de produção que interferem na verminose.
Fatores nutricionais e verminose:
A nutrição deve ser englobada como componente de um programa de controle parasitário no rebanho, pois influencia na recomposição dos danos causados pelos parasitos, nas defesas do animal à verminose (imunidade) e no consumo voluntário de alimentos.
No animal parasitado há uma redefinição nas prioridades de distribuição dos nutrientes no organismo, que ao invés de irem para o crescimento e desenvolvimento do animal, são direcionados para o combate e recomposição dos danos ocasionados pelos vermes. Ou seja, um animal parasitado com Haemonchus contortus perde sangue, então há um requerimento de nutrientes para a formação de células sanguíneas; ou no caso de vermes que lesionam o intestino (Trichostrongylus sp.) para a recomposição das células intestinais. De uma forma simplificada, o animal alimenta-se para repor o prejuízo ocasionado pela verminose, não direcionando os nutrientes para a formação de carne, leite e lã. Em situações de escassez de alimentos o organismo do animal não consegue recompor as lesões levando-o ao adoecimento.
Além disso, a verminose requisita um esforço imunológico exacerbado, o que também requer nutrientes para a formação dos componentes desse sistema. Mais uma vez, animais mal nutridos tornam-se sensíveis às verminoses, sendo que esse fato é importante em animais que se encontram com imunidade imatura (jovens), em categorias de maior exigência (gestação e lactação) e em animais estressados. Os requerimentos nutricionais diferenciam-se para cada categoria e quando atendidos ajudam os animais a enfrentar o desafio da verminose (Figura 2).
Figura 2 - Animais com boa condição nutricional são menos afetados pela verminose.
A diminuição do consumo de alimentos é facilmente observada quando o animal parasitado não come por vontade própria e à medida que a doença progride a situação vai piorando. A inanição (Figura 3), estado de extrema debilidade, leva a uma redução do consumo voluntário de alimentos, o que interfere diretamente nos fatores comentados (recomposição dos danos e imunidade). Sendo assim, animais com alta carga parasitária não conseguem alimentar-se, mesmo com grande disponibilidade de alimentos. Esse caso é evidenciado com a baixa condição corporal dos mesmos, o que facilita o processo de inanição. Animais bem nutridos possuem maior aporte para resistir à verminose, tendo o consumo de alimentos menos afetado pela doença.
Figura 3 - Animal desnutrido, com anemia e em inanição pela verminose.
É importante ressaltar a importância da eliminação dos parasitos com anti-helmínticos eficazes, mas a nutrição adequada é ferramenta essencial para que o organismo possa se recuperar. Mesmo antes do tratamento anti-helmíntico, a nutrição ajuda o animal a sobreviver, esse fato é observado quando dois animais com mesma carga parasitária respondem de forma diferenciada de acordo com o seu estado nutricional, sendo que esse fato também depende da genética inerente a cada indivíduo. Por isso, muito se fala em suplementação, principalmente proteica (comentada no artigo: "Proteína na alimentação de ovinos e verminose!"), especialmente em épocas críticas (seca) e para animais de categorias mais exigentes como em crescimento, desmame, gestação e lactação.
Fatores ambientais e verminose
O conhecimento dos fatores que interferem na epidemiologia dos parasitos é muito importante para que se consiga traçar estratégias de controle, pois cerca de 95% da população parasitária se encontra no ambiente e apenas 5% nos animais. Na fase de vida livre, o desenvolvimento dos principais parasitos gastrintestinais de ovinos envolve a eclosão de ovos para larvas de primeiro, segundo e terceiro estágio, quando então infectam os animais.
Umidade do ar, incidência de raios solares, temperatura, tipo e altura do pasto, assim como o manejo efetuado nas diversas pastagens utilizadas, afetam não só o comportamento dos animais em pastejo, mas também o das larvas dos vermes na pastagem (Figura 4). No confinamento, o risco de infecção parasitária é menor, mas não nulo, sendo influenciado pelo tipo de piso, de cama, de instalações e pela limpeza do ambiente. A alta lotação animal, na pastagem ou no confinamento, aumenta a contaminação do ambiente e por consequência a infecção parasitária dos animais.
Figura 4 - O ciclo parasitário no ambiente depende de umidade, temperatura e características da pastagem.
O manejo e a escolha do pasto são determinantes na contaminação do ambiente, pois os vermes predominam nas porções inferiores da planta (abaixo de 10-15 cm) e diferenças no perfil da pastagem propiciam alterações na exposição das larvas aos fatores climáticos. O ciclo parasitário depende de condições ideais que variam para cada tipo de verme, mas que giram em torno de 18- 30 °C de temperatura e 70-100% de umidade relativa. Por isso, em países de clima tropical como o Brasil, a temperatura e a umidade facilitam o desenvolvimento dos estágios larvais no ambiente. De forma geral, o parasito predominante no território nacional é o H. Contortus.
Entretanto, a diversidade climática no país determina diferenças na predominância de alguns vermes, o que também ocorre em diferentes estações do ano. Mesmo em propriedades vizinhas, o tipo do parasito pode diferir de acordo com manejo realizado e com o sistema de produção adotado. Dessa forma, o controle da verminose deve ser específico para cada caso e não copiando modelos alheios ou "receitas de bolo".
Atualmente, há pesquisas enfocando a diminuição da contaminação ambiental, com o intuito de agregar soluções ao controle parasitário. A alternância do pastejo de ovinos com bovinos e equinos tem sido utilizada para a eliminação de parasitos não comuns às diferentes espécies. Há também a rotação entre agricultura e a produção de ovinos, o que modifica o ambiente dos piquetes e elimina boa parte das larvas. Outra forma de descontaminação que está sendo estudada é o controle biológico por meio de fungos nematófagos, os quais são predadores dos vermes e diminuem a contaminação ambiental. Esses manejos são de grande valia desde que inseridos em programas de controle parasitário que considerem o sistema como um todo.
Bem-estar animal e verminose
Modificações nos sistemas de produção alteram o comportamento animal, por modificarem o ambiente, a alimentação, o manejo do rebanho e, por consequência, o grau de bem estar desses animais. De maneira geral, animais estressados são mais susceptíveis às doenças por sofrerem imunossupressão, ou seja, as defesas do organismo ficam mais fracas. Nos sistemas de produção, diversos são os fatores que podem ocasionar estresse: castrações, caudectomias, ferimentos, doenças, fome, sede, desconforto térmico, mistura de lotes, transporte e desmame.
Alguns manejos são necessários de acordo com o sistema de produção adotado, um exemplo disso é a separação de mãe e filho com o intuito de recuperar a ovelha para a próxima estação de monta. O desmame tem se mostrado fator importante no aumento da verminose, principalmente quando ocorre precocemente (antes dos 60 dias de idade) e quando o cordeiro é colocado na pastagem. Esse fato ocorre porque animais jovens ainda não têm o sistema imunológico completamente maturo e não dispõe de todo o potencial alimentar (capacidade de digestão de alguns alimentos e agilidade de pastejo). Por isso, sistemas de produção que adotam o desmame, devem levar ainda mais a sério o manejo nutricional do animal que passará por período crítico (Figura 5).
Figura 5 - Animais recentemente desmamados são sensíveis à verminose.
Sempre que possível, é importante evitar manejos que modificam o comportamento do animal e que causam estresse. A castração, por exemplo, já é uma prática quase abolida dos sistemas de produção de ovinos no Brasil por causar mais prejuízos que benefícios. O manejo geral do rebanho deve ocorrer de forma calma, com ausência de barulhos excessivos e com a contenção correta dos animais para a realização de procedimentos necessários (Figura 6). O tratamento de outras doenças também é importante, pois a dor ocasiona estresse e diminuição no consumo de alimentos.
Figura 6 - O bem-estar dos animais depende da condução calma do rebanho e da contenção adequada para a realização de procedimentos necessários.
A verminose engloba fatores muito mais amplos que somente o tratamento anti-helmíntico. Animais bem nutridos, geneticamente selecionados, criados em sistemas de produção adequados, sem estresse e enfermidades são menos sensíveis às infecções parasitárias. Frente ao problema da resistência anti-helmíntica, devemos enxergar o fator verminose como totalmente dependente do sistema de produção, para que possamos conseguir um equilíbrio entre produção e sanidade. É importante ressaltar que os fatores discutidos devem ser considerados juntamente com a adoção de critérios de tratamento adequados (OPG, Famacha e sinais clínicos) utilizando anti-helmínticos eficazes.
Na parte II do artigo discutiremos a respeito da relação entre verminose e os vários tipos de sistemas de produção, considerando o uso da pastagem (tipos e manejos) do confinamento (instalações e categorias), do desmame (realização e idades) e de suplementação (tipos e níveis).