A crise financeira global que se iniciou em setembro de 2008 tem enfraquecido, naturalmente, as perspectivas sobre a economia em 2009, e o seu efeito sobre o segmento cárneo ovino nos principais países produtores e consumidores já se tornam evidentes, embora ainda seja cedo para avaliar os reais efeitos do desdobramento da crise sobre o setor.
Seguindo a insolvência de vários bancos de investimento e de outras instituições financeiras nos Estados Unidos e União Européia, as condições financeiras mundiais mostram-se bastante limitadas, levando a quedas substanciais no mercado de valores e no influxo de capital para as economias emergentes.
Os indicadores comerciais mais recentes sugerem uma rápida desaceleração da atividade agropecuária nos países onde a indústria ovina tem importância econômica, sobretudo, aqueles que mantêm uma estreita relação comercial com o NAFTA e a UE-27, uma vez que estarão mais vulneráveis aos efeitos da retração da atividade econômica nos respectivos blocos, incluindo outros membros da OECD (Organization for Economic Co-Operation and Development).
Assume-se que o crescimento econômico mundial declinará significativamente em 2009 e como resultado da recente volatilidade do mercado financeiro, a atividade econômica nos principais centros comerciais de carne ovina tende a se contrair negativamente, a exemplo do Reino Unido, Alemanha, França, Estados Unidos, Japão e Nova Zelândia, como mostrado na Tabela 1.
De acordo com as estimativas da ABARE (Australian Bureau of Agricultural and Resource Economics) mostradas na Tabela 1, todas as economias experimentarão um período de contração econômica em 2009, antes de ocorrer uma recuperação gradativa prevista para se iniciar nos primeiros meses de 2010.
Dessa forma, assume-se que o crescimento econômico mundial cairá 2,8 pontos percentuais para uma taxa ao redor de 0,6%, orquestrado pelos percentuais negativos dos países da OECD. Por outro lado, nas economias emergentes e em desenvolvimento, a expectativa é que o crescimento desacelere nos próximos trimestres, caindo bem abaixo do potencial, antes de voltar a crescer gradualmente no final de 2009.
2. Situação internacional
Austrália e Nova Zelândia são os maiores exportadores mundiais de carne ovina e dentre os seus principais clientes estão países pertencentes aos blocos mais afetados pela crise financeira, ou seja, NAFTA e UE-27, o que tem causado retrações substanciais no consumo e, logo, nas importações.
Esse cenário se agrava ainda mais devido os Estados Unidos, a União Européia e o Japão serem alguns dos mercados de maior valor para a carne ovina, afetando inevitavelmente os resultados econômicos das exportações. Além disso, a capacidade da China, do Oriente Médio e dos próprios mercados domésticos australiano e neozelandês para absorver o volume de carne ovina "excedente" é particularmente limitada.
Embora o consumo de alimentos nas economias da OECD seja relativamente insensível às mudanças de renda, o fato da carne ovina ser a de maior valor para o consumidor pode impactar significativamente na demanda, uma vez que a tendência natural é o aumento da procura por substitutos de menor valor agregado, como a carne bovina, a suína e a de frango. Soma-se a isso, a forte tendência de manutenção da valorização da carne ovina no mercado internacional, em função do fornecimento limitado, o que sustentará os preços do cordeiro em patamares elevados a curto prazo.
Diante desse cenário, as previsões para as exportações de cordeiro da Nova Zelândia assumem uma queda geral de 11% em relação a 2008, enquanto que os embarques da Austrália tendem a cair 13%, com a demanda norte-americana retraindo 24% em relação a 2008. No entanto, e apesar da carta de clientes bastante plural e variada, os dois maiores players no mercado internacional, fatalmente, colherão resultados negativos no presente ano, como o resultado de uma associação significante envolvendo baixa produção de cordeiro, alto valor da carne ovina e limitada capacidade de consumo nos mercados de maior impacto sobre o valor das exportações.
3. Situação doméstica
No sistema agroindustrial brasileiro da carne ovina, os potenciais efeitos diretos da crise financeira mundial envolvem, principalmente, a desaceleração dos investimentos e a falta de crédito no mercado, afetando o capital de giro para algumas empresas importadoras e de frigoríficos do setor.
Ao avaliar as cotações do cordeiro (Gráfico 1) ao longo dos últimos 8 anos, fica evidente o firme processo de valorização da carne ovina no mercado doméstico, apresentando um incremento superior a 83% desde 2001, o que associado com a crise financeira vigente, poderia limitar o consumo, mesmo estando o consumidor urbano de carne ovina concentrado nas classes A, B e C.
Gráfico 1. Evolução do preço do cordeiro, quilo carcaça.
Esse processo de fortalecimento do preço do cordeiro doméstico se mantém atualmente, havendo um aumento médio de 16,6 pontos percentuais no valor do cordeiro no primeiro bimestre (jan/fev) de 2009 em relação ao mesmo período de 2008, de acordo com o Gráfico 2. Dessa forma, a tendência de alta persiste e sustenta os preços em patamares nunca antes vistos para a carne ovina doméstica no mercado interno.
Gráfico 2. Índice bimestral de preço do cordeiro (2008=100).
Embora os preços praticados para o cordeiro brasileiro possam induzir a uma tendência de provável retração no consumo devido ao alto patamar dos preços, ao se analisar os resultados das importações no primeiro bimestre de 2009, é possível observar não apenas um aumento de 28,9% no volume importado, mas também, um incremento de 43,5% no valor das importações, indicando que a demanda doméstica não se retraiu perante a crise atual e o mais importante, que o consumo de carne ovina no mercado interno é firme o suficiente para manter o crescimento mesmo com a forte e continua valorização dos produtos cárneos ovinos importados.
Gráfico 3. Índice bimestral das importações de produtos cárneos ovinos (2008=100).
Embora os efeitos da crise sobre a SAG brasileira da carne ovina ainda não estejam claros ou definidos, o cenário atual sugere que a crise econômica mundial pouco afetará o setor, considerando que a demanda segue crescente mesmo diante do alto preço do cordeiro e da menor disponibilidade de crédito e de capital circulante no mercado.
4. Considerações finais
Espera-se que a recuperação na performance econômica mundial se inicie entre o final de 2009 e início de 2010, com uma tendência de crescimento para a economia global ao redor de 3% em 2010, chegando na casa dos 4,3% em 2011.
No mercado internacional, o comércio deve se retrair entre os principais blocos exportadores e importadores, ou seja, entre a Oceania, NAFTA, UE-27 e Ásia, no entanto, como a Austrália, a Nova Zelândia e a UE-27 passam por uma fase de acentuado ajuste produtivo, os efeitos da crise podem ser um pouco mais severos nesses países.
No mercado doméstico, o setor ovino parece ter sido pouco abalado até o momento pelos efeitos da crise e às suas limitações subsequentes, mantendo-se aquecido e sustentando os preços e a demanda em patamares elevados.
Embora as crises sejam eventos intermitentes em qualquer segmento de mercado e fazerem parte do jogo econômico, as perspectivas para o setor ovino não se modificaram, permanecendo altamente positivas, especialmente para as empresas que conseguem aliar gestão estratégica, organização empresarial e aplicação de tecnologia.
Bibliografia consultada
ABARE. Australian Bureau of Agricultural and Resource Economics. Australian Commodities, v.16, n.1, Canberra: ABARE, 2009. 256p.
MAPA. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretária de Defesa Agropecuária - Serviço de Inspeção Federal. Disponível em:
MDIC. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secretaria de Comércio Exterior - ALICE Web. Disponível em:
USDA. United States Department of Agriculture. Livestock, Dairy and Poultry Outlook, Washington: USDA, 2009. 19p. (LDP-M-175)
USDA. United States Department of Agriculture. Livestock, Dairy and Poultry Outlook, Washington: USDA, 2009. 26p. (LDP-M-176)