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Da Alca para o Álcool

Por Marcos Sawaya Jank
postado em 07/03/2007

6 comentários
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Fato inédito, os presidentes Bush e Lula vão se encontrar duas vezes durante o mês de março, no final desta semana em São Paulo e no dia 31, em Washington. No centro da agenda está a assinatura de um acordo histórico de cooperação em biocombustíveis. Brasil e EUA controlam 72% da produção mundial de etanol e têm grande potencial na área do biodiesel. Quais são os fatores que estão produzindo a forte expansão da agroenergia no mundo? Qual é o impacto dos biocombustíveis nos mercados de energia e alimentos? Quais são os países e as culturas agrícolas mais eficientes nesta corrida global? Qual o nível de proteção vigente neste novo mercado? O que esperar da visita de Bush e como os dois maiores produtores poderiam cooperar para iniciar um padrão regulatório de longo prazo que amplie a produção sustentável, o consumo e, quem sabe, o comércio de combustíveis renováveis?

Os biocombustíveis vêm crescendo de forma espetacular nos últimos anos, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. No ano passado, os EUA superaram o Brasil como maior produtor mundial de etanol. Estima-se que até 2012, a produção americana deva quase triplicar (veja o mapa da agroenergia) e será 50% superior à brasileira. Além disso, em janeiro último, o presidente Bush anunciou a meta de substituir 15% da gasolina por combustíveis renováveis e alternativos, o que representa a impressionante cifra de 132 bilhões de litros (hoje a produção mundial de etanol não passa de 50 bilhões de litros). Já a União Européia está mais preocupada em substituir o óleo diesel, e se auto-impôs a meta de 5,75% de uso de combustíveis renováveis até 2010, atingindo um consumo de 10 bilhões de litros de biodiesel naquele ano.

A febre dos biocombustíveis vem sendo puxada por três fatores: preocupações ambientais, segurança energética e suporte à renda dos produtores rurais. Preocupações ambientais derivam basicamente da crescente busca pela redução de emissões de gases de efeito-estufa, que geram o aquecimento global. Segurança energética relaciona-se com a redução da dependência de petróleo importado, um bem cada vez mais caro e escasso, oriundo de países e regiões politicamente instáveis.

Subsídios agrícolas originam-se de poderosos lobbies de agricultores, que conseguem convencer os seus governos a introduzir programas de auto-abastecimento. Esse último vetor faz com que as tarifas que incidem sobre biocombustíveis sejam extremamente elevadas, ao contrário do que ocorre no mercado de petróleo, que é totalmente liberalizado. É irônico notar que o mundo quer reduzir a sua dependência por um produto cujo comércio é absolutamente livre, em favor de combustíveis renováveis, mais limpos e socialmente includentes, porém ainda protegidos por tarifas elevadas.

O impacto dos combustíveis de origem agrícola no mercado global de energia ainda é irrelevante. Juntos, eles não chegam a 1% da produção de combustíveis fósseis, em termos de equivalente energético. Há muito espaço para crescer e, ao contrário do petróleo, que está concentrado no subsolo de uns poucos países (e daí a possibilidade de estabelecer um cartel), o crescimento da energia renovável só depende de renová-la mais e mais, ou seja, de aumentar a área cultivada ou a produtividade das culturas envolvidas, em escala global. As duas razões acima enterram qualquer idéia prematura de formação de uma "OPEP do etanol", com o Brasil funcionando como uma espécie de Arábia Saudita.

Ocorre que se o impacto dos biocombustíveis no mercado global de energia é ainda reduzido, o seu impacto nos mercados agrícolas tem sido notável, principalmente no caso do milho e das oleaginosas. A produção de etanol já consome cerca de 20% do milho produzido nos EUA e o seu crescimento fez com que os preços do grão subissem 80% em relação à safra anterior, causando fortes desequilíbrios na estrutura dos mercados agropecuários, com impactos negativos na competitividade das carnes, dos lácteos e do açúcar à base de milho.

Além disso, as exportações americanas de milho vão despencar (hoje os EUA controlam quase 70% do mercado) e a área plantada com o grão vai crescer mais de seis milhões de hectares, avançando sobretudo nas áreas de soja. Curiosamente, o avanço do milho sobre a soja nos EUA beneficiará fortemente os países do Mercosul, que dividem o controle do mercado da oleaginosa com os americanos. Assim, no curto prazo, quem mais ganhará com a expansão da produção de álcool nos EUA não serão os usineiros, mas sim os sojicultores brasileiros!

Nos EUA, a disputa entre os chamados "quatro Fs" (Food, Feed, Fiber e Fuel, termos que sintetizam os principais destinos dos produtos agrícolas: alimentos, rações, fibras e energia) está pegando fogo e já há um amplo consenso de que os EUA não conseguirão ir muito longe com a expansão de etanol de milho, que deve parar em torno dos 50 bilhões de litros projetados para 2012. Vem daí o enorme interesse daquele país em desenvolver etanol à base de celulose, produzido a partir de capins, palhadas (restos de culturas agrícolas que sobram após a colheita), bagaços e produtos florestais. Esta alternativa deve, porém, levar pelo menos uma década para se tornar economicamente viável.

O interessante é que o impacto da expansão da agroenergia nos mercados agrícolas é muito menor em países como o Brasil, que produzem álcool carburante a partir da cana-de-açúcar, uma planta realmente espetacular. A cana é bem mais eficiente que o milho ou qualquer outra cultura agrícola. A sua produtividade atinge sete mil litros por hectare, mais do que o dobro do milho. O custo de produção é 30% menor e o balanço energético é extremamente favorável: a cana produz 8,3 unidades de energia renovável para cada unidade de energia fóssil utilizada para produzi-la, um valor 5,5 vezes superior ao que o milho produz.

Além disso, o Brasil não tem as limitações de expansão de área que os EUA possuem, já que a cana-de-açúcar pode facilmente se expandir em áreas tradicionais de pastagens, em rotação com a soja. O Brasil poderia produzir os 132 bilhões de litros de etanol, que seriam necessários para substituir 15% da gasolina dos EUA, com cerca de 20 milhões de hectares de cana-de-açúcar, o triplo da área atual de cana, porém apenas 10% da nossa reserva de pastagens. Ocorre que o Brasil ainda tem muito espaço para ampliar a produtividade agropecuária, e o crescimento da agroenergia pode perfeitamente se fazer de forma sustentável, por meio de sistemas que integram de maneira mais eficiente a agricultura (soja, milho, algodão e cana-de-açúcar) e a pecuária (bovinos, aves e suínos).

No caso do biodiesel, é interessante notar que a planta mais eficiente para produzi-lo é a palma (ou dendê), cultivada em larga escala em países como Malásia e Indonésia. Ou seja, as plantas mais promissoras para produzir biocombustíveis situam-se nas regiões tropicais do planeta, porém, infelizmente, o protecionismo vigente impede o real aproveitamento das vantagens comparativas.

A geopolítica da agroenergia poderia beneficiar dezenas de países em desenvolvimento se o foco da questão fosse o interesse dos consumidores (e não dos produtores), a redução de gastos com subsídios, o equilíbrio entre as cadeias agroindustriais envolvidas, o apoio aos países mais pobres, os investimentos em infra-estrutura e tecnologias de ponta e o respeito ao meio ambiente. Estou consciente de que é muito difícil avançar nesses vetores todos ao mesmo tempo, mas tenho certeza que é possível fazê-lo.

A visita de Bush pode ser um primeiro passo na direção correta. Tudo indica que o presidente americano vem ao Brasil para assinar um memorando de entendimentos que conterá:

1 - o desenvolvimento de projetos comuns de pesquisa de etanol de celulose;

2 - o estabelecimento de normas internacionais para a commodity, já que o bom funcionamento de qualquer mercado depende de padrões universais;

3 - a decisão de desenvolver projetos que apóiem a expansão do produto em terceiros mercados, principalmente na América Central e no Caribe.

O Departamento de Estado, porém, foi taxativo em afirmar que o tema do "acesso a mercados" não estará sobre a mesa.

É claro que qualquer forma de colaboração entre os dois maiores atores é sempre bem-vinda, além de inédita. A Alca (Área de Livre Comércio das Américas) foi enterrada porque não houve suficiente diálogo e entendimento entre os Estados Unidos e o Brasil, países que foram indicados como co-presidentes do processo negociador justamente para fazer o bloco avançar. No lugar da Alca, instalou-se uma miríade de pequenos acordos bilaterais e sub-regionais em todas as direções, de pequena abrangência e repletos de assimetrias, imediatismos e confusões.

O álcool representa uma chance de ouro para EUA e Brasil tentarem se entender e coordenarem o crescimento harmônico deste novo paradigma dos setores agrícola e energético. Comecemos com estudos detalhados cobrindo as áreas de pesquisa, produção, infra-estrutura, potencial energético e impactos sociais e ambientais. Em seguida, iniciemos projetos ambiciosos de pesquisa conjunta em novas tecnologias agroindustriais e automotivas e fixemos padrões globais para as commodities agroenergéticas.

Vamos também cooperar na expansão da oferta e da demanda em terceiros países. Avancemos igualmente com investimentos conjuntos em produção e infra-estrutura nos dois países e lutemos para estabelecer políticas mais coerentes, voltadas para os vetores apontados anteriormente, incluindo, desde já, o espinhoso tema do protecionismo, mesmo que apenas numa nota de rodapé neste primeiro momento.

A agroenergia precisa de "regras do jogo" claras e estáveis, que reduzam os custos de transação e a volatilidade dos mercados e garantam maior previsibilidade para os investimentos necessários em pesquisa, capacidade instalada, infra-estrutura e comércio. Não podemos desperdiçar esta oportunidade.


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Marcos Sawaya Jank    São Paulo - São Paulo

Consultoria/extensão rural

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Comentários

COWTECH - CONSULTORIA E PLANEJAMENTO

Lençóis Paulista - São Paulo - Consultoria/extensão rural
postado em 07/03/2007

Marcos, parabéns pelo trabalho desenvolvido pelo Ícone e por mais uma esclarecedora análise sobre um tema de extrema importância para Brasil.

Um grande abraço

Gilmar Luiz Monticelli

Concórdia - Santa Catarina - Mídia especializada/imprensa
postado em 08/03/2007

Congratulações pelo artigo "Da Alca para o Álcool". Jornalisticamente completo.
Quase uma tese.

Edir Rocha

Campo Grande - Mato Grosso do Sul - Consultoria/extensão rural
postado em 10/03/2007

Realmente um artigo esclarecedor sobre o assunto.

Parábens...

Hamilton Luiz Ledesma de Nadai

Campo Grande - Mato Grosso do Sul - Consultoria/extensão rural
postado em 23/03/2007

Interessante notar o alcance dos efeitos do álcool.

Aqui na Bolivia, mesmo com um pouco de medo pelas medidas tomadas nacionalmente contra os latifúndios, já se espera uma reação no comércio de terras movida por pecuaristas brasileiros que viriam para cá atraídos pelos baixos preços e pela fertilidade do solo.

Isso sem falar no potencial de produção de etanol aqui, potencialmente muito grande mesmo em áreas já canavieiras pelas baixas produções aqui obtidas.

Flavio Bitencourt

Monticello - Florida - Estados Unidos - Indústria de insumos para a produção
postado em 23/03/2007

Marcos,

Muito esclarecedor o seu artigo. Você está certo, a curto prazo, o maior lucrador será o pordutor de soja brasileiro.

Parabéns.

Uma pergunta: Na sua opiniao, com o aumento da produção de etanol no Brasil, haverá algum impacto no preço do álcool ao consumidor?

Flavio Bitencourt

Fabiano Carneiro de Oliveira

Tibagi - Paraná - Produção de gado de corte
postado em 28/03/2007

Parabéns, foram palavras sábias sobre um tema que cada vez mais se torna importante.

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