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Carne ovina, turismo e gastronomia - Parte V de VI

Por Milton Mariani , Andre Sorio e Carolina Palhares
postado em 01/11/2010

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Esse texto faz parte do livro "Carne ovina, turismo e gastronomia - a culinária sul-matogrossense de origem pantaneira, sírio-libanesa, gaúcha e nordestina", da editora Méritos. O objetivo principal desta obra é analisar a potencialidade da carne ovina como produto complementar ao turismo em Mato Grosso do Sul, trazendo informações que demonstrem que a carne ovina pode ser considerada produto típico do estado. Os objetivos específicos são:

a) Entender a percepção do consumidor de carne ovina no Mato Grosso do Sul;
b) Identificar a demanda por carne ovina em restaurantes e churrascarias de Campo Grande;
c) Investigar os pratos típicos feitos com carne ovina pela população de Mato Grosso do Sul.

Os autores cederam a publicação do livro no FarmPoint, que será resumido e disponibilizado por partes. Essa 5ª parte integra o capítulo 5.

1- Introdução


A denominação "prato típico" designa uma iguaria gastronômica tradicionalmente preparada em uma região, que possui ligação com a história do grupo que a degusta e integra um panorama cultural que extrapola o prato em si. Por reforçar a identidade de uma localidade e de seu povo, esta iguaria se torna muitas vezes uma espécie de símbolo local, e esta característica ganha cada vez mais importância no contexto turístico.

O estudo da gastronomia apresenta interesse crescente, por sua relação com a humanidade e seus costumes, crenças e valores. Trata-se de manifestação cultural das mais importantes, sendo objeto de estudos de diversas áreas como a antropologia, história, sociologia e geografia.

A cozinha é símbolo, memória e patrimônio cultural de qualquer grupo social. A simbologia dos alimentos exerce influência nas pessoas e constitui um importante elemento que revela identidade e ajuda a entender a cultura de um povo. As cozinhas regionais são elementos de valorização cultural e de geração de recursos econômicos. A gastronomia típica se constitui em afirmação de uma identidade que se deseja fortalecer e algumas vezes construir.

É importante observar que as comidas tradicionais convivem com inúmeras inovações. Temperos são usados ao gosto de cada cozinheiro ou mesmo alguns ingredientes podem variar, conforme a disponibilidade histórica. Por exemplo, no Barreado do litoral paranaense, o toucinho cru foi substituído pelo bacon (toucinho defumado). Também são comuns inovações tecnológicas, como a substituição do fogão à lenha pelo fogão a gás ou da panela de barro pela de alumínio.

Ao mesmo tempo, são comuns reinterpretações de receitas tradicionais, com a inclusão de novos acompanhamentos ou com a elaboração de novas formas de apresentação. A tendência de preocupação com a estética tem levado ao aparecimento de versões dos alimentos tradicionais com calorias reduzidas, por exemplo. Naturalmente, quando existe a comercialização de um prato típico, também aparecem preocupações em relação à praticidade e tempo de preparo, custo dos ingredientes e preço final cobrado do consumidor. Uma discussão importante e reincidente é em que medida as inovações podem ser incorporadas sem que as comidas tradicionais sejam descaracterizadas e sem que o turismo gastronômico perca a matéria-prima a partir da qual se desenvolve.

A cultura de um lugar e sua comida típica estão intimamente ligados e vão além do simples conhecimento dos ingredientes culinários. A culinária é uma arte dinâmica e depende de vários fatores. Entre eles, o clima, a localização, o tipo de solo e os costumes alimentares introduzidos pelos imigrantes que incorporam seus costumes aos da terra que os acolhe e vice-versa. Existe uma importante troca de costumes e procedimentos, que interfere em ambos os costumes e que dá lugar a uma cozinha mestiça.

Cerca de 30% dos turistas que visitam Campo Grande procuram restaurantes típicos, enquanto outros 40% vão à feira central, que também é um local de comidas típicas, em busca de alimentação. É sugestão recorrente dos turistas, em pesquisas feitas no Mato Grosso do Sul,
que sejam mais divulgados os pratos típicos do Estado.

Isso mostra como a gastronomia típica é valorizada pelo turista, que procura os restaurantes representativos da culinária tradicional local. Assim, é preciso capacitar os restaurantes populares típicos para atendê-los, sem perder suas características naturais.

Muitas vezes, é destacado na propaganda turística o café-da-manhã do Pantanal, chamado quebra-torto. Os destaques são a chipa e o cozido de mate. O tereré é uma infusão típica, que agrega também uma experiência ritualística. Naturalmente, o churrasco pantaneiro merece
atenção, assim como o arroz de carreteiro e o bolo salgado chamado de "sopa paraguaia". O caldo de piranha é outro prato típico sempre lembrado, mais como atração exótica do que como iguaria.

No salão de turismo de Mato Grosso do Sul em 2009, dentro da competição entre as diversas regiões para apresentar cardápios que representassem sua cultura, um era composto de carne ovina, representando a região da fronteira com o Paraguai, justamente um dos locais com maior rebanho ovino no estado.

No festival gastronômico de Bonito, realizado em 2009, não constou nenhum prato à base de carne ovina. Os destaques foram peixes e jacaré. No entanto, a população da região costuma comer carne vermelha - de boi e de ovelha - e não peixes e carne de caça. Apesar do atrativo das carnes exóticas - jacaré, capivara, paca etc. - elas efetivamente não representam a dieta local.

De qualquer forma, é normal ao redor do mundo a existência de iguarias que são trabalhadas turisticamente, mas que não necessariamente caracterizam-se como tradições culinárias por serem criações recentes ou ainda estarem construindo-se como tradicionais. No entanto, a degustação de tais elaborações pode oferecer, além da experiência sensorial vinculada ao sabor, uma experiência cultural, representando uma aproximação imaginária com a realidade visitada.

No festival gastronômico de Corumbá, em anos anteriores, foram propostos pratos feitos com carne ovina e adaptados à oferta de ingredientes locais, como a torta de cordeiro pantaneiro, misturando farinha de milho, queijo e outros ingredientes e criando um alimento tipicamente local, apesar de novo.

Já foram citados como sendo pratos de carne ovina típicos de Mato Grosso do Sul: assados e churrascos, cozido de pescoço de ovelha em fatias com arroz, carneiro no rolete, cozido de costela de ovelha com mandioca, carne ovina picada e cozida com batatas, carne ovina frita em tiras e à moda da cozinha do Oriente Médio, como kibes, kafta, ao molho com vinho e recheado.

Mais do que a disponibilidade de determinado alimento, a escolha da dieta de um grupo se respalda num contexto. Não é suficiente que algo seja comestível, para que seja consumido. O condicionamento cultural e social é fundamental nas escolhas alimentares de determinada população.

Interessante notar que a relação entre espaço e produção gastronômica é cada vez mais reconhecida pelos turistas, que se deslocam até determinada localidade para provar os pratos típicos. Na lógica da atividade turística inteligente, onde a diferença entre as localidades é importante, esta territorialidade é incentivada como forma de atração de um destino turístico.

Alguns produtos não permitem transporte para compor pratos distantes de seu ambiente, sem os condimentos e os procedimentos próprios de cada cultura. Por exemplo, os peixes do Pantanal, quando servidos logo após serem pescados, oferecem um sabor diferente daquele encontrado em restaurantes a centenas de quilômetros de distância.

Os momentos, lugares e formas de servir os alimentos também geram significados diferentes. Em outras palavras, a oportunidade de comer um alimento marcado pelo imaginário de culinária local, em um ambiente como uma caverna ou uma cachoeira pode ser uma experiência muito positiva para o turista. Assim, pode-se imaginar a culinária como forma de fomento ao turismo, já que complementa e amplifica as atrações turísticas já existentes e conhecidas.

O turista que dá valor à cultura normalmente está menos preocupado com preço e mais com qualidade e fidelidade ao sabor típico do lugar. Trata-se de um turista que costuma retornar aos lugares para comer o prato que aprecia, e que prefere não comer em restaurantes com comida para turistas ou em franquias, mas nas ruas onde a população faz suas refeições, sempre em busca da cozinha local, marcada pelo odor e pelo sabor únicos.

As refeições cotidianas tornam-se cada vez mais homogêneas e industrializadas, e isso cria uma tensão que ao mesmo tempo ameaça e valoriza a culinária tradicional. Nesta lógica, os pratos típicos ganham destaque, justamente por remeterem a uma experiência mais autêntica, divulgando a culinária de determinadas localidades e ganhando a atenção do mercado turístico.

A gastronomia é um elemento que determina a qualidade do produto turístico. Assim, a obtenção de informações relativas a ela é crucial na busca de estratégias que façam da atividade turística uma possibilidade para o bem coletivo da localidade. Isso é justificado pelo fato de a gastronomia constituir um atrativo potencial para complementar a atividade turística, além de organizar a comunidade para o fornecimento de produtos alimentícios aos visitantes, gerando emprego, renda e valorização da culinária e cultura locais.

O objetivo deste capítulo é demonstrar que existem diversos pratos à base de carne ovina que podem ser considerados típicos de Mato Grosso do Sul, oriundos da culinária pantaneira; sírio-libanesa; gaúcha e nordestina.

1.1 - Pratos típicos sul-matogrossenses de origem pantaneira

A carne preferida e mais consumida pelos habitantes do Pantanal é a de boi. Em seguida, vem a carne de porco-monteiro, que é um porco doméstico criado em estado semi-selvagem, solto no mato. A carne ovina é consumida principalmente em momentos festivos ou de chegada de visita inesperada. Existe um costume pantaneiro que diz que quando se recebe uma ou duas pessoas em casa, mata-se uma galinha para servir aos visitantes. Se forem até seis pessoas, o animal a ser servido deve ser uma ovelha. E se houver mais visitantes do que isso, a saída é matar uma vaca para alimentar os convivas. Não é costume entre os pantaneiros o consumo de carne de caça. Os vaqueiros consideram uma ofensa terem que consumir carne de jacaré e capivara, pois é sinal de avareza do patrão no fornecimento da carne bovina.

Em alguns lugares do Pantanal ainda persiste uma tradição curiosa, ligada às comitivas (movimentação de gado entre propriedades, que ocorrem ligadas ao ciclo de cheias e secas da região) e aos ovinos. Quando um peão provoca algum acidente ou mesmo erro de comportamento no momento da refeição, tem que pagar uma multa, chamada de prenda. Estas prendas estão sempre ligadas ao fornecimento, ao grupo de peões que forma a comitiva, de uma galinha, de um leitão ou de um borrego, conforme a gravidade. Os erros passíveis de serem pagos com borregos são: sentar nos bancos que servem para a colocação de panelas; virar alguma panela ou cozinhar sem camisa e chapéu. Ao final da comitiva, as prendas são pagas pelos devedores e divididas pelo grupo.

Os pratos típicos pantaneiros aproveitam todos os cortes do ovino, mesmo eles sendo apenas os básicos. Em cada prato utiliza-se preferencialmente um corte, e assim, consegue-se consumir o animal inteiro. Apesar de serem usados cordeiros para os pratos na brasa, os animais abatidos normalmente são os mais velhos do rebanho, pois é costume deixar que os ovinos cresçam livremente, até surgir necessidade de consumo.

No Pantanal, onde a energia elétrica ainda não é disseminada e por isso existe dificuldade em manter alimentos refrigerados, o ovino é tratado também como uma forma viva de armazenar carne. Pelo seu tamanho, 10 a 20 kg de carcaça, permite que seja abatido e consumido em pouco espaço de tempo, evitando o uso dos poucos equipamentos de refrigeração à disposição, normalmente a gás. Assim, carne de sol e fritadas só são feitas quando, após o consumo fresco, ainda sobram alguns cortes, que são conservados para o consumo posterior.

As receitas feitas na panela são de consumo diário, pelos próprios trabalhadores das fazendas, com exceção do cozido, que demanda mais tempo de preparo. Já os pratos feitos na brasa são consumidos ver principalmente em ocasiões especiais, marcando a chegada de uma visita, uma data comemorativa ou mesmo o final de uma lida, como a vacinação ou chegada de uma comitiva.

As receitas pantaneiras costumam ser de preparo rápido, com o uso de poucos temperos, normalmente sal e alho. No acompanhamento invariavelmente consta mandioca, com a exceção dos pratos em que a mandioca já é considerada ingrediente. A receita mais elaborada é o cozido, que revela um pouco de influência da culinária sírio-libanesa, com o uso de vinho e pimenta-do-reino. É uma característica marcante o uso de banha de porco-monteiro em algumas receitas.

a) Churrasco

Fazer fogo, usando lenha de angico. Esperar o fogo virar braseiro. Separar os cortes do animal em peças que sejam de tamanho adequado para espetar. O espeto deve ser de preferência de taquara verde, tirada no dia. A carne recebe sal grosso e alho minutos antes de ir ao fogo. Pode ser usado sal fino na falta do grosso. O acompanhamento preferencial é apenas mandioca cozida. Em alguns casos, usa-se farinha de mandioca, principalmente para passar os pedaços mais gordos.

b) Assado

Fazer fogo, usando lenha de angico. Esperar o fogo virar braseiro. Separar os cortes mais nobres em peças menores que possam ir sobre a grelha. Normalmente, a grelha fica mais próxima do fogo do que os espetos. A carne recebe sal grosso e alho minutos antes de ir ao fogo. Algumas vezes utilizam-se ervas para tempero, como sálvia, orégano, manjericão e alecrim. O acompanhamento preferencial é mandioca cozida. Em alguns casos, usa-se passar os pedaços mais gordos em farinha de mandioca.

c) Fritada no tacho

Colocar o tacho (frigideira grande) em fogo alto. Adicionar banha de porco-monteiro e esperar ficar bem quente. A carne deve ser cortada em pedaços pequenos, de três centímetros. Colocar aos poucos a carne, para não deixar sair suco da carne e juntar caldo no tacho. O tempero é apenas sal, colocado depois que a carne estiver bem frita, quase seca. Esta carne pode ser armazenada por alguns dias. O acompanhamento é arroz branco, mandioca cozida, farinha de mandioca e
salada.

d) Ovelha atolada

Colocar a panela em fogo alto. Pôr um pouco de banha de porcomonteiro. Quando estiver bem quente, adicionar os pedaços de carne, que devem ser cortadas com osso, e deixar fritar bem. Colocar o sal, alho e cheiro verde apenas depois da carne frita. Acrescentar água quente, a mandioca descascada e deixar cozinhar até amolecer a mandioca e a carne. O acompanhamento é arroz branco e farinha de mandioca.

e) Carreteiro de carne de sol de ovelha

Fritar a carne, que deve estar cortada em pedaços pequenos, de cerca de um centímetro. Algumas pessoas preferem a carne picada em pedaços maiores, de cerca de dois centímetros. O início da fritura deve ser feito com banha de porco-monteiro. Quando a carne estiver frita, acrescentar cebola picada. O sal fino e o alho devem ser colocados logo no início da fritura da carne. Colocar o arroz, fritar um pouco junto com a mistura de carne e cebola, e colocar água quente. Os pantaneiros preferem o arroz de carreteiro bem cozido, nunca al dente. O acompanhamento é mandioca cozida e salada.

f) Cozido

Fritar a carne em banha de porco-monteiro. Os pedaços para este prato são sempre com osso, que devem estar cortados em pedaços médios. Durante a fritura, ir retirando o caldo excessivo que se formar e reservar. O sal, o alho e a pimenta-do-reino são acrescentados no início da fritura. Quando a carne estiver pronta, colocar água quente, a mandioca, o vinho branco e o caldo de carne reservado anteriormente. Cozinhar em fogo baixo. O acompanhamento é arroz branco, salada e farinha de mandioca.

1.2 - Pratos típicos sul-matogrossenses de origem sírio-libanesa

Os sírio-libaneses chegaram ao Brasil e ao Mato Grosso do Sul no início do século XX, devido principalmente à imigração forçada pelo Império Otomano que, depois da Primeira Guerra Mundial, desfez-se e foi transformado na moderna Turquia. Essa etnia tinha o costume de consumir carne ovina de maneira cotidiana, e apesar de ter encontrado em Mato Grosso do Sul uma maior abundância de carne de boi, ainda mantém a tradição de consumir ovinos sempre que possível.

Os sírio-libaneses aproveitam todos os cortes da ovelha, apreciando ainda algumas vísceras, coisa que os pantaneiros raramente fazem. Em Mato Grosso do Sul esta é uma cozinha urbana, assim o costume é utilizar animais maiores, naturalmente mais velhos, pois são estes animais que usualmente são vendidos nas cidades ou presenteados pelos criadores.

Os pratos mais simples são para consumo diário, enquanto nas datas especiais não pode faltar a carne ovina, principalmente em casamentos, aniversários, páscoa e natal. As vísceras são objeto de um ritual específico, sendo consumidas normalmente cruas, no momento do abate, somente pelos homens da família, marcando a alegria deste momento de confraternização.

As receitas são de preparo mais elaborado do que as de origem pantaneira, com o uso abundante de temperos, principalmente pimentas diversas. O acompanhamento é bastante variado, mostrando a riqueza da culinária do Oriente Médio. A receita mais elaborada é o carneiro recheado, que demora dois dias para ser feito, deixando a carne nos temperos durante muitas horas. O uso de azeite de oliva é uma constante, para fritar os alimentos ou simplesmente para compor o tempero.

a) Carneiro recheado

Fazer uma vinha d'alho com pimenta-do-reino, pimenta síria, azeite de oliva, limão e vinagre. Deixar a carne de um dia para o outro nesse molho. Não colocar sal. Fritar carne moída, cebola, tomate e sal e cozinhar o arroz, fazendo uma espécie de risoto. Acrescentar grão-de-bico pré-cozido e metade do molho da vinha d'alho a este risoto, que servirá de recheio. Separar o diafragma da costela, deixando preso por uma extremidade. Salgar a carne. Colocar o recheio e costurar. Levar ao forno por três horas, regando com o restante da vinha d'alho. O acompanhamento é arroz com macarrão aletria ou então arroz com amêndoas e molho de hortelã.

b) Carneiro ensopado

Os pedaços para este prato são sempre com osso, que devem estar cortados em pedaços médios. Fritar a carne na panela, com o tempero - sal, pimenta-do-reino, pimenta síria, azeite de oliva, limão - até formar uma crosta com os temperos. Durante a fritura, ir retirando o caldo excessivo que se formar e reservar. Colocar água quente, batatas, vinho tinto seco e o caldo retirado da carne e cozinhar até as batatas estarem prontas. O acompanhamento costumeiro é arroz com macarrão aletria e salada.

c) Kafta

Moer a carne duas vezes e amassar com todos os temperos - sal, pimenta-do-reino, pimenta síria, cebola, salsa - dando a forma característica. A kafta pode ser colocada num espetinho, o que facilita o manuseio. A forma mais tradicional de fazer é assar na brasa, porém, pode ser feita na chapa também, o que deixa a kafta menos seca. O acompanhamento é pão sírio ou arroz, tabule e salada.

d) Kibe

Tirar toda a gordura da carne e moê-la junto com os temperos - sal, pimenta-do-reino, pimenta síria, cebola, manjericão (alguns preferem hortelã em vez de manjericão). Juntar o trigo, pré-cozido e amassar, dando a forma característica. O kibe pode ser consumido cru, frito ou assado. Se for cru, o acompanhamento mais indicado é azeite de oliva e pão sírio. Se for frito ou assado, o mais comum é salada de repolho com tomate e alho.

e) Espeto de carneiro

Cortar a carne em cubos de aproximadamente três centímetros. Espetar alternando tomate e cebola. Temperar com o sal, a pimentado- reino e a pimenta síria imediatamente antes de levar ao fogo. O acompanhamento usual é arroz com macarrão aletria, pão sírio e molho de hortelã.

f) Miúdos

O rim e o fígado devem ser cortados bem finos. O fígado pode ser consumido cru, e neste caso é colocado sal, pimenta- do-reino e um pouco de limão. Em seguida, um gole de arak para coroar o ritual. Outra forma de consumir as vísceras é grelhada rapidamente, com os mesmos temperos - sal, pimenta-do-reino e limão. O fígado pode ganhar o acompanhamento de rodelas de cebola assada. Mesmo no caso do consumo ser de vísceras grelhadas é de bom tom tomar uns goles de arak após a ingestão.

g) Carneiro cozido

A carne para este prato deve ser cortada com osso, em pedaços médios. Fritar a carne na panela, usando bastante azeite de oliva, misturado ao tempero - sal, alho, pimenta-do-reino e pimenta síria. Durante a fritura, ir retirando o caldo excessivo que se formar e reservar. Colocar água quente, ervilha ou lentilha, o vinho branco e o caldo retirado da carne e cozinhar até a ervilha ou lentilha ficar pronta. O acompanhamento é arroz com lentilha, cebola queimada e azeite
de oliva.

h) Carneiro ao vinho

Os pedaços de carne para este prato devem manter o osso e ser cortada em pedaços de tamanho mais para pequeno do que para médio. Fritar a carne na panela, já com o tempero - sal, alho, pimentado- reino e pimenta síria. Durante a fritura, ir retirando o caldo excessivo que se formar e reservar. Retirar a carne frita da panela Na mesma gordura da fritura da carne, fritar a cebola. Devolver a carne, colocar água quente, ferver até reduzir e começar a fritar novamente. Colocar água quente, o vinho branco e a batata e deixar ferver até as batatas ficarem cozidas. O acompanhamento é arroz branco, purê de batatas e azeite de oliva.

1.3 - Pratos típicos sul-matogrossenses de origem gaúcha

Desde o final do século XIX, com as seguidas guerras civis que ocorriam no Rio Grande do Sul, era normal que os perdedores fugissem em direção ao sul do então Mato Grosso, região considerada segura para escapar das vinganças sangrentas, típicas dos conflitos internos entre os gaúchos. Essa imigração inicial foi reforçada em dois momentos posteriores - durante a criação da Colônia Agrícola Nacional na região de Dourados, na década de 1940 e durante o início do ciclo da soja, nas décadas de 1970 e 1980.

Existem no Mato Grosso do Sul diversos Centros de Tradições Gaúchas (CTG). Os CTGs encarregam-se de manter vivos os costumes dos imigrantes daquele estado sulista, que são parte importante da mistura étnica que formou o povo sul-matogrossense. De maneira geral, os gaúchos, assim como os pantaneiros, não consomem vísceras de ovinos. O aproveitamento mais comum da carne é a separação do pernil, paleta e costela da carcaça, para fazer churrasco. O restante, chamado de espinhaço, é utilizado para fazer um prato cozido, que costuma ajudar a espantar o frio.

Quando o consumo ocorre na propriedade rural ou ele é fruto da chegada de uma visita inesperada, é feito o churrasco do animal abatido na hora e o espinhaço é guardado para consumo dos trabalhadores nos dias seguintes, como comida rotineira. Na cidade, o consumo ocorre principalmente em eventos festivos e, neste caso, o churrasco, feito das partes mais nobres é muitas vezes acompanhado também pelo espinhaço cozido.

O preparo da carne ovina à moda gaúcha costuma ser bastante prático, com uso apenas de sal grosso no caso do churrasco e alguns temperos no caso do espinhaço cozido. Mas nada que demore muito ou que torne o prato algo difícil de ser consumido.

a) Churrasco

Fazer fogo, de preferência usando lenha. Esperar o fogo virar braseiro. A carne pode ser espetada ou assada na tempre, uma espécie de grelha. As peças são assadas inteiras e temperadas somente com sal grosso, minutos antes de ir ao fogo. Dispor os cortes sobre a grelha sem deixar espaços entre elas. No início, a idéia é cozinhar a carne de dentro para fora. Quando a carne começar a ferver na parte externa, é o momento de virar, dourando todos os lados por igual. A grande diferença entre carne assada à moda gaúcha e à pantaneira é que os pantaneiros apreciam a carne bem assada, mais seca, enquanto os gaúchos gostam dela mais suculenta. O acompanhamento usual é apenas mandioca cozida. Utiliza-se a farinha de mandioca neste prato com mais frequência do que naquele de origem pantaneira, principalmente para passar os pedaços mais gordos.

b) Espinhaço cozido

Colocar uma caçarola ou panela de ferro em fogo alto e dentro um pouco de óleo de soja com açúcar para dourar. Quando estiver bem quente, colocar o espinhaço, cortado em pedaços, temperado com sal e pimenta-do-reino, e deixar fritar bem. Dependendo do tamanho da panela, esta operação pode ser feita em pequenas porções, até todos os pedaços estarem fritos. Retirar a carne e reservar. Na mesma gordura, dourar alho e cebola. Em seguida, voltar a carne para a panela, acrescentando louro, manjerona e noz moscada. Adicionar a mandioca descascada e água quente e deixar cozinhar mais uma hora aproximadamente. A mandioca deve ficar bem cozida, mas com os pedaços inteiros, sem desmanchar. Na hora de servir, espalhar cheiro verde picado por cima, ainda na panela. O acompanhamento é farinha de mandioca e salada, normalmente feita de tomate e folhas verdes amargas, como agrião, chicória e almeirão. Algumas pessoas consomem arroz branco junto com este prato.

1.4 - Pratos típicos sul-matogrossenses de origem nordestina

Ao final do século XIX, a imigração nordestina ao então sul de Mato Grosso intensificou-se, engrossando as frentes colonizadoras que já estavam estabelecidas naquela região. Aproximadamente em meados do século XX, ocorreu uma segunda onda de imigração nordestina ao sul do Mato Grosso, para ocupação das terras distribuídas nas colônias agrícolas federais do programa Marcha para o Oeste. Essa distribuição de terras tinha dois objetivos principais: aumentar a população da região Centro-Oeste, que na época era um grande vazio demográfico; e diminuir as tensões sociais nas regiões mais habitadas do Brasil. Existem em Mato Grosso do Sul vários Centros de Tradições Nordestinas (CTN), demonstrando a força desta etnia na formação demográfica do estado. Entre os pratos mais característicos que os nordestinos trouxeram e adaptaram aqui, a buchada merece destaque, por sua relativa raridade.

É interessante registrar o fato de que, apesar de muita gente, inclusive os nordestinos, chamar o prato de buchada de bode (animal da espécie caprina), ele é feito na grande maioria das vezes com vísceras de ovinos. Esta confusão entre as espécies remonta a um subterfúgio fiscal utilizado no início do século XX, na divisa entre Pernambuco e Bahia. Nessa época, os caprinos (bodes e cabras) ficaram isentos de impostos no comércio interestadual e todo mundo passou a chamar os ovinos (carneiros e ovelhas) de "bode", para burlar o fisco. De qualquer forma, a nomenclatura errônea é mantida até hoje, mesmo nas regiões tradicionais de criação destes animais e também nos locais onde existem imigrantes nordestinos.

A buchada é consumida principalmente em eventos festivos familiares, nos finais de semana. Apesar de assustar a algumas pessoas, a receita das vísceras cozidas à maneira nordestina é bastante delicada, com o uso de diversos temperos e demanda bastante tempo para ficar pronta.

a) Buchada

Pegar um rúmen (bucho) limpo e completar a limpeza, esfregando limão por dentro e por fora. Depois, deixar de molho em água fria com suco de limão por cinco horas. Enfim, aferventar o bucho inteiro, em água com pouco sal e ele estará pronto para ser recheado. Picar em tiras as vísceras restantes - coração, fígado, língua, rim e tripas. Fazer uma vinha d'alho com sal, pimenta-do-reino, alho, cebola, coentro, louro, hortelã, colorau e vinagre e deixar as tiras de vísceras dentro deste tempero por pelo menos duas horas.

Esquentar uma panela com óleo de soja e juntar umas 250 gramas de toucinho picado em cubinhos bem pequenos, para fazer um torresmo. Quando o torresmo estiver pronto, reservar e refogar na gordura que restou as vísceras picadas e temperadas, junto com o caldo da vinha d'alho. Cozinhar até que esta mistura fique seca.

Colocar o torresmo, misturado ao refogado de vísceras no interior do rúmen e costurar com agulha e um fio feito com a própria tripa crua do animal. Colocar este bucho recheado e costurado em uma panela com bastante água fervente, temperada somente com sal, e deixar cozinhar em fogo brando durante quatro horas. O acompanhamento usual é farinha de mandioca de crivo mais grosso e molho de pimenta malagueta.

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Referências bibliográficas

CAETANO, M. Estudo das práticas alimentares dos turistas: uma contribuição metodológica para o planejamento turístico e o fortalecimento do agronegócio. Campo Grande: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2006. 91p. (Dissertação de mestrado em Agronegócios).

CARNEIRO, L.O.H.B. A ovinocultura de corte em Mato Grosso do Sul: uma alternativa econômica. Campo Grande: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2002. 21p. (Monografia de Especialização em MBA).

CORNER, D.M.R. A gastronomia como atrativo do turismo cultural. In: IV SEMINÁRIO DE PESQUISA EM TURISMO DO MERCOSUL. Caxias do Sul, 2006. Caxias do Sul: UCS, 2006.

GIMENES, M.H.S.G. Patrimônio gastronômico, patrimônio turístico: uma reflexão introdutória sobrea valorização das comidas tradicionais pelo IPHAN e a atividade turística no Brasil. In: IV SEMINÁRIO DE PESQUISA EM TURISMO DO MERCOSUL. Caxias do Sul, 2006. Caxias do Sul: UCS, 2006. 14p.

GIMENES, M.H.S.G. O uso turístico das comidas tradicionais: algumas reflexões a partir do Barreado, prato típico do litoral paranaense (Brasil). Turismo e sociedade, Curitiba, v. 2, n. 1, p. 8-24, abr. 2009.

IGANARRA, L.R. Fundamentos do turismo. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2003. 205 p.

LEITE, L.A. Gastronomia corumbaense, característica e aspectos históricos. Anais... IV Simpósio sobre recursos naturais e sócio-econômicos do Pantanal. Corumbá (MS) 23 a 26 de nov. de 2004. 4 p.

MAMBERTI, M.M.S; BRAGA, R. Turismo e desenvolvimento local: uma análise conceitual. ENCONTRO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA, 2004, Rio Claro. Anais... Rio Claro, 2004.

MARIANI, M.; SORIO, A. A produção de carne ovina em Mato Grosso do Sul e as potencialidades para o turismo e a gastronomia. CONGRESSO BRASILEIRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E SOCIOLOGIA RURAL, 46. 2008, Rio Branco. Anais... Rio Branco: UFA, 2008. 17 p.

SENAC. Pantanal: sinfonia de sabores e cores. Brasília: SENAC, 2003. 180p.

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Comentários

eldar rodrigues alves

Curitiba - Paraná - governo
postado em 10/11/2010

Parabéns! Muito bom, sem mais. Eldar Alves. www.cabanhakingsize.com.br

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