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Feijão capitalista

Por Xico Graziano
postado em 23/01/2013

3 comentários
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Boa parcela da opinião pública acredita que a comida do povo vem do agricultor familiar, enquanto o agronegócio capitalista serve ao comércio exterior. Ledo engano. O equívoco nasce de uma ideia, antiga, superada. Hoje manda a integração produtiva no campo.

A começar do ciclo açucareiro colonial, no Nordeste, a historiografia consagrou distintas funções, e certa oposição, entre a grande propriedade rural, dominante, e a agricultura de subsistência, que vivia em suas beiradas. Existia, realmente, um dualismo. Escritores famosos, como Gaio Prado Jr., sempre descreveram a grande lavoura - o latifúndio ou aplantation - como aquela destinada à exportação, de açúcar, cacau ou borracha. Produzir alimento básico era coisa de pobre.

Quando chegou o ciclo da mineração, no século 18, o deslocamento da população - a maioria escrava - rumo ao Sudeste, exigiu fortalecer a produção de alimentos. Desde os pampas gaúchos, dedicado à pecuária e ao seu valioso charque de carne, por todo o Centro-Sul surgiram novos agricultores, animados por atenderem o consumo interno criado nas atividades aurí-feras das Minas Gerais.

Mais tarde, na economia cafeeira de São Paulo, já livre da escravidão, o colonato favoreceu o cultivo de gêneros alimentícios, seja entre as ruas do cafezal novo, seja em áreas destacadas da fazenda. Caminhava a economia livre. Mas a crescente demanda nas cidades brasileiras trouxe à tona a questão do abastecimento urbano. Em 1901, relatava Alberto Passos Guimarães - A Crise Agrária, 1978 - quase 43% das importações brasileiras, em valor, representavam produtos básicos, incluindo feijão, fava, milho, arroz, banha e manteiga. Com escassez os preços elevaram-se, estimulando os pequenos agricultores. Plantar comida passava a oferecer lucro.

A partir da grande crise mundial, dos anos 1930, a diversificação da economia brasileira, na cidade e no campo, aprofundou-se. Décadas depois, com o forte êxodo rural alargando as metrópoles, a necessidade do abastecimento nas periferias transformou definitivamente a agricultura de subsistência em próspero negócio. Além do tradicional arroz com feijão, os moradores do asfalto exigiam ovos, carnes, verduras e legumes, frutas, leite; aos roceiros bastava produzir e vender. Daí surgiram os Ceasas, sacolões, varejões e, claro, os supermercados. Mudou a distribuição no varejo dos alimentos.

Mudou também, e muito, o caráter da produção rural. Ela ganhou escala e tecnologia, cresceu em produtividade, integrou-se às agroindústrias, aprendeu a comercializar, buscou financiamento. O raciocínio guarda lógica: as cidades brasileiras jamais teriam sido abas: tecidas - e bem ou mal o foram - sem uma grande transformação ocorrida no campo. Que prossegue acelerada.

Nesse processo histórico, as análises dualistas sobre a agricultura perderam razão. Sim, existem ainda os tradicionais agricultores de subsistência, a maioria empobrecida no semiárido nordestino. Enfraqueceu-se, porém, com a modernização agrária a antiga oposição entre a grande e a pequena produção. Ambas, com tecnologia, passaram a ser regidas pela lucratividade do mercado, seja interno, seja externo. Assim, tomaram-se complementares, e muitas vezes se confundiram. Vejam alguns exemplos.

Típica da velha família rural, a banha de porco acabou substituída na cozinha pelos óleos vegetais. O mais barato, de consumo popular, origina-se do esmagamento do grão da soja. Pois bem, no Paraná e no Rio Grande do Sul, grandes plantadores da oleaginosa, 90% da produção advém de agricultores familiares, ligados às grandes cooperativas exportadoras. Ou seja, a mesma agricultura que gera divisas garante a fritura na mesa. Sem distinção.

No café, a maior parte da safra brota das lavouras mineiras, grandemente ligadas às cooperativas. A Cooxupé, a maior delas, aglutina 12 mil cafeicultores, sendo 80% pequenos produtores rurais. Do embarque total de grãos nos pátios da cooperativa (2011), perto de 15% se destinou às torrefadoras do mercado interno a grande parte seguiu exportada. Pequenos, juntos, ficam grandes.

Em cada ramo da agropecuária nacional se pode verificar essa junção entre o agronegócio capitalista e a produção familiar, sendo difícil separar, no destino, o mercado interno do externo. Na cultura da cana, em que preponderam os grandes usineiros, cerca de 70% do açúcar se exporta, mas o etanol, que enche o tanque dos veículos, dos pobres principalmente, fica aqui dentro.

Quem produz frango, o agricultor familiar ou o agronegócio? Resposta fácil: ambos. As empresas frigoríficas representam grandes negócios, privados ou cooperativados: já os avicultores, a elas integrados, são familiares.

E o feijão? A maioria da produção, é verdade, advém de pequenos produtores. Estes, entretanto, não se configuram mais como de subsistência, vendendo apenas o excedente. Que nada. Espelham agricultores altamente tecnificados.

Nos Estados Unidos, sabe-se, a mecanização da agricultura provocou, ao mesmo tempo, o aumento da escala de produção e o fortalecimento da gestão familiar, preponderante por lá. Tal processo se caracteriza, por aqui, especialmente em Mato Grosso, onde enormes fazendas produzem soja e milho, nas lavouras tocadas pelos próprios produtores e seus filhos. Negócios gigantes, familiares.

Essas histórias mostram que ser familiar não necessariamente significa ser pequeno. E comprovam que pequeno agricultor pode, perfeitamente, participar do agronegócio, quer contribuindo para a exportação, quer alimentando o povo. Pode acreditar: inexiste oposição entre agricultura familiar e agronegócio. O feijão virou capitalista.

Matéria publicada originalmente no Estadão, adaptada pela Equipe AgriPoint.

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Xico Graziano    São Paulo - São Paulo

Consultoria/extensão rural

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Comentários

nelsomar pereira fonseca

Mutum - Minas Gerais - Produção de leite
postado em 27/01/2013

Parabens pela matéria, quando será que realmente o agrícultor familiar será reconheconhecido pela população como o agente de transformação? o o ator principal de produção de alimentos em nosso país? na agrícultura e na pecuária? estes caras? somos!


Xico, o BRASIL, a presidente, os governadores, os prefeitos, deputados, senadores, os vereadores, precisam alem de fazerem leis, executar leis, fazerem projetos, precisam de estar mais atento ao campo.


Em nosso municipio, com toda aplicação de recurssos do pronaf, estamos tendo uma dificuldade muito grande no fornecimento da carta de aptidão do PRONAF, a EMATER-MG local esta exigindo de todos os agricultores familiares, comprovante de renda, como: declaração de produtor, notas fiscais de venda de produtos (café, leite, bezerros, arroz, feijão, milho, queijo artesanal e outros derivados do leite), para comprovação de renda, trazendo grandes transtornos aos agricultores familiares, trabalhadores rurais, porque não tem notas fiscais de venda dos produtos.


A EMATER- MG local, esta servindo de um orgão fiscalizador do Estado. As mulheres dos agricultores e os jovens filhos destes, ainda não tiveram oportunidade de obterem o credito do pronaf, impedidos pela burocracia, tavêz por falta de conhecimentos, das entidades de ATER,BB,Sind. Ass.


Daniela Medeiros do Nascimento

Curitiba - Paraná - Consultoria/extensão rural
postado em 29/01/2013

Sem duvida esta é uma discussão interessante! Mas dentro deste contexto seria interessante refletir que o  simples participar do agronegócio não significa  empoderamento da AF quanto ao mercado. Nas minha opinião e por toda conjuntura que vemos em nosso país e no mundo eles ainda estão muito aquém de uma efetiva participação em tomadas de decisões quanto aos rumos políticos vinculadas a Agricultura em nosso país.  Eles apenas seguem os rumos definidos pelas multinacionais e grandes empresários do agrobusiness , inclusive a maioria destes tem um grande entrosamento nos ministérios em Brasilia!

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