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Estratégia de convivência com estiagens no semiárido - o papel do comitês de combate a seca

Por Clovis Guimarães Filho
postado em 27/12/2012

4 comentários
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A composição não deve ser só “chapa branca”. Não é o simples fato de dirigir uma empresa ou instituição pública ligada a área rural que qualifica uma pessoa para compor o comitê. O mesmo deve acontecer no interior. Comitês territoriais precisam ser formados para atuarem em sintonia com o comitê estadual e fazerem as coisas andarem. Estes também precisam contar com pessoas que conheçam muito bem o produtor familiar do semiárido e as circunstâncias sob as quais ele opera. Antes de tudo é de sensibilidade que os comitês mais necessitam.

A composição básica de um comitê territorial deve, quando possível, incluir, além dos secretários municipais de agricultura, representantes dos conselhos municipais de desenvolvimento rural, das organizações de produtores (associações, cooperativas e outras entidades efetivamente em operação em cada território), da assistência técnica e extensão rural regional, de ONGs, de agentes do crédito oficial, dos segmentos processador e distribuidor das cadeias produtivas e de outros orgãos técnicos, federais ou estaduais, de pesquisa (universidades, Embrapa, etc.) e de desenvolvimento, com relevante atuação em cada território. Naturalmente, esse seria um comitê mais consultivo. Dentre esses deve ser selecionado um grupo menor, executivo, com dedicação exclusiva ao planejamento e operação das ações locais.

As queixas dos produtores são muitas. Praticamente quase todas as ações anunciadas estão enfrentando problemas para alcançarem seus pretensos beneficiários. O milho mais barato ainda não chega regularmente nem nas quantidades mínimas necessárias para causar qualquer efeito significativo. O crédito para compra emergencial de ração continua com a mesma burocracia e os poços e cisternas do programa “Água para Todos” sofrem com a demora das licitações e a falta de estruturas locais. A compra dos animais, uma ótima medida, chega atrasada e limitada a microprodutores, encontrando ainda dificuldades naturais com relação ao abate e armazenamento formais. Em Pernambuco somente agora, ao final do ano, foi efetuado o primeiro abate dos primeiros 100 animais adquiridos, um número ainda totalmente inexpressivo.

As medidas até agora anunciadas, apesar de bem intencionadas, não são absolutamente suficientes para garantir os bons resultados. Construção de barragens subterrâneas, pela baixíssima oferta no semiárido de áreas realmente apropriadas para sua construção, e distribuição de kits de irrigação, desacompanhada da infraestrutura técnica e organizacional exigida para o uso adequado dessa prática, são componentes de eficácia questionável do recente convênio das Seagri’s nordestinas com o BNDES. Afora cestas básicas, garantia safra, prorrogações de dívidas e carros-pipa, existe uma série de outras providências que poderiam ser consideradas. No geral o que se espera dos comitês é competência técnica para identificar em cada espaço geográfico afetado pela seca as oportunidades e as alternativas passíveis de mobilização e a competência gerencial para proceder as necessárias articulações para pô-las em operação. Entre as principais tarefas de um comitê de convivência com a seca estariam:

(1) Coordenação geral de toda a ajuda interna e externa, incluindo sua captação e distribuição ou operação;

(2) Monitoramento e avaliação da intensidade e abrangência dos efeitos da estiagem na região. A organização de mapas das áreas afetadas constitui um instrumento fundamental para definição da estratégia operacional de apoio e priorização das áreas a serem assistidas. Um mapa básico deve abranger aspectos como: áreas mais atingidas; possíveis áreas de pasto para uso emergencial; tradicionais e potenciais rotas dos rebanhos; pontos de elaboração de subprodutos agroindustriais; principais áreas de cultivo; pontos de água e pontos de apoio técnico-veterinário, entre outros. A intensidade e os efeitos da estiagem nas áreas mais afetadas devem ser monitoradas a partir de dados das agências especializadas, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e de checagens periódicas de campo. As perdas e vendas de animais, bem como números relativos à produção e compra de forragens, rações e outros insumos, devem ser contabilizados e avaliados no decorrer e no final do período crítico;

(3) Mapeamento, recuperação e uso coordenado da rede de poços e de reservatórios de água disponível na região;

(4) Montagem e coordenação de um sistema de circulação da informação entre os diversos atores nas áreas afetadas;

(5) Identificação e mobilização de áreas menos ou não vulneráveis à seca com potencial de apoio à área afetada, estabelecendo com as mesmas acordos e parcerias (a compra de bagaço hidrolisado das usinas, já em operação, e a parceria com produtores das áreas irrigadas para cultivo de forrageiras, como o sorgo BRS-800, da Embrapa, que pode ser colhido com 30 dias de plantado, são dois bons exemplos);

(6) Estabelecimento de garantias ao armazenamento estratégico e ao suprimento preferencial às áreas afetadas pela seca de subprodutos agrícolas ou agroindustriais que possam ser utilizados na alimentação animal;

(7) Planejamento e implementação de um programa emergencial de assistência técnica e de capacitação de extensionistas e de produtores em práticas emergenciais de gestão da propriedade em épocas de seca, incluindo técnicas de aproveitamento de materiais alternativos para alimentação animal. A elaboração e distribuição de uma cartilha contendo técnicas como o aproveitamento de espécies nativas para fenação, a amonização de palhadas e subprodutos agroindustriais, a fabricação de blocos de sal proteinado e o aproveitamento racional de espécies nativas são componentes essenciais dessa ação. A ausência de uma assistência técnica qualificada está contribuindo para por em alto risco de extinção o mandacaru. Se a estiagem se repete no próximo ano, o produtor vai contar com que?

(8) Estabelecimento de medidas apropriadas para evitar o aviltamento dos preços dos produtos e exacerbação dos preços dos insumos, especialmente os utilizados na alimentação animal. A manutenção dos preços de produtos e insumos a um nível aceitável pode ser efetivada por meio de subsídios aos canais de comercialização ou de intervenção direta do poder público, pela opção preferencial na compra de carne, leite e de outros produtos animais (compras institucionais para a merenda escolar, hospitais, quartéis, etc.). Antes de um primeiro passo nesse sentido, seria recomendável por em dia os pagamentos de todas as compras do PAA em atraso, fator que já punha em risco a sobrevivência dos produtores bem antes do início da estiagem. Esses atrasos são fruto da combinação do excesso de exigências burocráticas dos ministérios com a lerdeza e despreparo da maioria dos estados e prefeituras para operarem o programa. O pagamento dos produtos fornecidos que antes era feito via associações e cooperativas passou a ser creditado nas contas individuais de cada produtor fornecedor, desacelerando o processo e desestimulando tudo o que estava sendo feito no campo em termos de associativismo e cooperativismo;

(9) Estabelecimento ou garantia de um crédito específico e adequado, durante o período de estiagem, voltado para a aquisição de forragens e rações para os animais, que possibilite ao produtor preservar um núcleo básico de matrizes;

(10) Formatação, ao final do período de estiagem, de um plano ou conjunto de sugestões ou recomendações visando o reinício efetivo do processo de recuperação das atividades agropecuárias em cada espaço geográfico de ação. Esse plano deve, necessariamente, enfocar a formação de estoques estratégicos de forragens para os períodos críticos (pastos diferidos, feno, silagem, amonizados, palma, etc.), a prática mais importante a ser incorporada aos sistemas produtivos do semiárido.

Os registros mostram que as secas são um fenômeno recorrente no semiárido brasileiro e como tal, esses períodos deveriam ser considerados tanto pelos produtores, como pelas políticas públicas de apoio, como mais um dos muitos fatores de produção e assim, deixarem de constituir um tema de permanentes ações emergenciais A estratégia a ser seguida deve ser a de preservação do capital mínimo, que possibilita ao caprino-ovinocultor preservar um núcleo mínimo de matrizes jovens capaz de, passado o período crítico, iniciar um processo de recuperação na atividade. Somente a conjunção harmônica dessas medidas acima citadas dará ao produtor familiar do semiárido a condição necessária para atravessar todo o período da estiagem com um mínimo possível de perdas, assegurando assim a reprodutibilidade de seus meios de produção e a possibilidade futura de recuperar a sua condição econômico-financeira original. Basta de tanto improviso e de planos com visão de curto prazo.

Literaturas complementares:

MALLET, J.I.; PRATER,T.E.; SPROTT, J.M. Financial strategy during a drouth. In: BEEF CATTLE MANAGEMENT DURING DROUTH. Texas Agricultural Extension Service, B-1108, 1973. p.7-10

SILVA, A. de S.; PORTO, E.R.; OLIVEIRA, F.Z.; MAYORGA, M.I. de O.; COUTINHO, S.F.S. Desenvolvimento sustentável no semi-árido brasileiro: estudo de caso. In: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE IMPACTOS DE VARIAÇÕES CLIMÁTICAS E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM REGIÕES SEMI-ÁRIDAS. ICID, 1992, Fortaleza. Anais... Fortaleza: Governo do Estado do Ceará/Fundação Grupo Esquel – Brasil/FIEC-CNI/BNB, 1993. v.7, p. 2199-2.279.

GUIMARÃES FILHO, C.; SOARES, J.G.G.; CORREIA,R.C.; ARAÚJO, G.G.L. de. Subsídios para uma estratégia emergencial de redução dos efeitos da seca na pecuária do semi-árido brasileiro. In: CONGRESSO MUNDIAL DE SOCIOLOGIA RURAL, 10.; CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 38.; 2000, Rio de Janeiro. Anais... Campinas: UNICAMP/Auburn: IRSA/ Brasília: SOBER, 2000. CD-ROM.

GUIMARÃES FILHO, C.; SOARES, J.G.G. Manejo dos rebanhos em anos de seca: nove medidas orientadoras. Petrolina, PE: Embrapa Semi-Árido. 2000. 41p. (Embrapa Semi-Árido. Documentos, 84)

GUIMARÃES FILHO, C.; LOPES, P.R.C. Subsídios para formulação de um programa de convivência com a seca no semi-árido brasileiro. Petrolina, PE: Embrapa Semi-Árido, 2001. 22p. (Embrapa Semi-Árido. Documentos, 171).

SILVA, P. C.G. DA; GUIMARÃES FILHO, C. Eixo tecnológico da região Nordeste. In: AGRICULTURA FAMILIAR NA DINÂMICA DA PESQUISA AGROPECUÁRIA. / Editor técnico Ivan Sergio Freire de Souza. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2006. 434p.

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Comentários

Hernandes Medrado Filho

Marcionílio Souza - Bahia - Produtor Rural,Consultor credenciado SEBRAE
postado em 28/12/2012

É   muito bom termos no final do ano uma analise criteriosa de quem bem conhece o Semiarido por dentro e por fora como o Dr. Clóvis.

A ação AGORA é EMERGENCIALÍSSIMA,já que os rebanhos estão dizimados,as aguadas secas,restando O HOMEM , desassistido,cansado a ponto também de ir a Óbito.

Incluo em caráter  Extraordinário ao uso de CHUVAS INDUZIDAS,testada com sucesso em ITABERABA, em maio, e que a depender das Nuvens, poderá  beneficiar muita gente.

Luciano Ferreira dos Santos

Mirante - Bahia - Consultoria/extensão rural
postado em 28/12/2012

As citações, tenho certeza de que se bem empregadas, surtiriam ótimos efeitos, é uma pena que percausos ainda impedem a comcretização de tal. Precisamos de uma virada de jogo, todos nós produtores instituições e governo. O semi-árido pode e é uma terra geradora de renda e alimentos e não só uma terra de pobresa e êxodo. Parabéns meu caro Clovis Guimarães Filho, concretizar essas ações é um compromisso de todos.

Clovis Guimarães Filho

Petrolina - Pernambuco - Consultoria/extensão rural
postado em 01/01/2013

Prezado Hernandes Medrado Filho,

A luta do produtor do semiárido pode ser comparada à epopéia de D.Quixote narrada por Cervantes. Com o padrão de qualificação do pessoal que hoje toma as decisões, as esperanças não são para resultados a curto ou médio prazos.

Abs
Clovis Guimarães Filho

francisco de assis de carvalho pires

Mirandiba - Pernambuco - Ovinos/Caprinos
postado em 20/09/2013

Mesmo não se tratando do assunto em discussão, pergunto ao sr. se já existe alguma coisa para tratar do problema da ¨boca torta¨ ,que acomete tanto bovinos como caprinos e ovinos. Após o animal está acometido do mal o que podemos fazer para o mesmo recuperar o seu peso  para depois descarta-lo.
Obs. O problema é causado pelo uso em excesso da vagem da algaroba.

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