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Safra no carnaval

Por Xico Graziano
postado em 05/03/2014

5 comentários
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Fala-se, no Brasil, que as coisas começam a funcionar, mesmo, somente depois do carnaval. Na economia, na política, na educação, leva-se tudo em banho-maria até o desfilar da escola de samba. Quando entra a quaresma, aí, sim, vem a pauleira. Tal preceito, porém, vale somente na cidade. Porque no campo o ritmo é diferente. Os agricultores entram no ano novo trabalhando a mil na safra. Outra folia.

Nesta altura de fevereiro/março, quando a turma da cidade se enfeita para curtir as últimas horas da grande bagunça carnavalesca, a turma da roça está com seus tratores zunindo na lavoura. Na avenida, hora da diversão; na terra, momento da colheita. Para aqueles, alegria na dança; para estes, festa no paiol. Curioso é perceber essa diferença de timing entre o campo e a cidade.

No passado não muito distante, maior ainda era a distância entre os dois mundos. Hoje em dia, progressivamente se aproximam. Primeiro, por causa do enorme êxodo populacional que esvaziou um e inchou o outro. Segundo, porque o campo está sendo "urbanizado" - estradas de asfalto, telefonia, transporte coletivo, internet, melhorias que reduzem as distâncias socioculturais. Terceiro, graças à integração produtiva que interligou a produção rural, dentro da fazenda, e a economia urbana. Antes os agricultores moravam na sede da colônia, hoje a maioria reside na cidade. Idem no caso dos trabalhadores rurais.

Mesmo considerando a moderna agroindustrialização, que de certo modo embaralha as atividades rurais com as urbanas, preservam-se algumas características únicas. Uma delas é a intensificação do trabalho em função da sazonalidade da produção agrícola. Existem períodos determinados de plantio, crescimento vegetal, florescimento e colheita dos grãos, sequência natural que determina um afã próprio. Na criação de animais, do acasalamento ao bezerro, do pintinho ao frango, do porquinho ao pernil, há que aguardar a hora da recompensa.

Na urbe, diferentemente, o trabalho humano desenrola-se com maior uniformidade, seja nas linhas de montagem industrial, seja nos balcões do comércio. Parafusos, ou roupas, fabricam-se e vendem-se todos os dias, faça chuva ou sol. Arroz ou feijão dependem do clima para vingar. Mesmo quem labuta por conta própria escolhe o momento de se ocupar. No campo, o labor conecta-se ao ciclo da natureza. E nesta época de carnaval aumenta o suadouro, pois as lavouras entram na sua fase final. Dureza.

O avanço tecnológico tem modificado o ritmo de vida do agricultor. No tempo de nossos avós havia apenas uma safra por ano. Os cereais, ou o algodão, eram plantados no início das chuvas, logo na entrada da primavera, quando o tempo esquentava. Entre março e abril realizava-se a colheita. Porém, desde que o melhoramento genético começou a se impor e a mecanização avançou, surgiram novas variedades, com ciclos de produção mais curtos, algumas precoces e outras tardias, adaptadas regionalmente. Métodos de cultivo desenvolveram-se, como o plantio direto, que executa a semeadura dispensando a aração e a gradeação dos terrenos, economizando tempo. A dissecação química, utilizada especialmente na lavoura de soja, seca rapidamente as plantas, adiantando a colheita.

Fruto dessa evolução agronômica, os produtores passaram a ter duas e, dependendo de irrigação, até três safras anuais. Variadas são as combinações produtivas, que alternam as culturas e permitem elevar o rendimento da terra, melhor remunerando o capital agrário. Mais complexa, assim, se torna a atividade agropecuária. Impulsionada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e por órgãos estaduais de pesquisa, juntamente com as cooperativas, de forma crescente se avança também na integração lavoura-pecuária, sistema em que, após a colheita do grão, entra o pastoreio do gado. A boiada alimenta-se das sobras da lavoura, misturadas com o capim, que viça fertilizado pelo adubo remanescente no terreno. E o esterco animal eleva a matéria orgânica do solo. É incrível.

Esse fascinante mundo rural vibra num diapasão distinto da bateria das escolas de samba. Ambos aceleram as canelas nesta época do ano. Mas enquanto os foliões varam a madrugada se divertindo, os produtores rurais cedo dormem o sono profundo, acordando com as galinhas para trabalharem duro na poeira da roça. Mal conseguem, os agricultores, assistir na televisão ao desfile carnavalesco, ver as beldades e sua coreografia maravilhosa. Mesmo curiosa, a pálpebra do fazendeiro teima em fechar pelo cansaço do corpo.

Se os dois eventos pudessem ser comparados - o carnaval e a colheita da safra -, ambos os espetáculos impressionariam um júri especial isento de paixões. Nenhum povo vive sem alegria e os brasileiros transformam o grito de carnaval num momento extraordinário de liberação da energia positiva, dançando, bebericando, paquerando, esbaldando-se até exageradamente. Afora os excessos, a festa promove um encontro bizarro da modernidade com as raízes populares.

Por outro lado, nenhuma nação sobrevive sem o árduo trabalho dos produtores rurais, que retiram da terra o sustento do povo, oferecem emprego aos mais simples, zelam pela paisagem campestre, protegem os valores históricos. Por isso se assemelham, quanto à sua importância, as festas da avenida e do campo. Embora na arquibancada sobrem aplausos para o desfile, enquanto anonimamente se executa o trabalho rural, ambos são gratificantes.

Marotos, os agricultores sabem que sem o alimento que produzem ninguém teria energia para enfrentar o carnaval. Nem cachaça ou cerveja existiriam. Uma precisa da cana-de-açúcar, a outra vem do cereal. Palmas para os produtores rurais, que sambam, e suam, na colheita da safra.

*Xico Graziano é agrônomo e foi secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.  

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Xico Graziano    São Paulo - São Paulo

Consultoria/extensão rural

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Comentários

Fernando Melgaço

Goiânia - Goiás - Mídia especializada/imprensa
postado em 05/03/2014

Parabéns, Xico Graziano, pelo seu artigo, tão bem escrito e tão bem bolado,comparando o carnaval com as colheitas.
Suores escorrem pelo corpo, tanto no samba da avenida quanto no trabalho do campo, embora seja este último mais abençoado.
Atenciosamente,
Fernando Melgaço.

João B Almeida

Cachoeira de Minas - Minas Gerais - Produção de café
postado em 05/03/2014

Muito bom XICO este enredo que vc permeou entre estes dois mundos q podemos chamar de Brasil de verdade. O Brasil que trabalha a terra e produz alimentos, e o Brasil q vai pra av desfilar nossa cultura, nossos valores. O mundo rural é um show de produtividade, o espetáculo q as escolas de samba levam pra av é sem duvida um show q enche os olhos. Que bom seria se todos os setores do Brasil fosse show, e a gente pudesse aplaudir a todos. Que bom seria que todo aplauso fosse verdadeiro, não falso, como para a maioria dos políticos brasileiros. Troféu pra vc XICO, pro mundo rural e para o nosso maravilhoso carnaval.

Walfredo Genehr

Ibaiti - Paraná - Pesquisa/ensino
postado em 06/03/2014

Sr. Xico Graziano,
Achei interessantíssima a sua comparação entre as realidades urbanas e rurais, quanto à questão de "momento", pena que não continuastes com a analogia comparativa. A sequência é a de uma das fabulas de Esopo que aprendemos quando criança, "A cigarra e a formiga". Outra forma de abordagem é a de "Produtores de Bens de Consumo X Produtores de Bens de Serviços", nesta é que está, a meu ver, a maior situação de conflito social do Brasil. Os Produtores de bens de consumo são os que efetivamente produzem o PIB brasileiro e estes são em menor número de indivíduos da população. Os Produtores de bens de serviços, alguns são estratégicos e importantes dentro da cadeia de logística e de sanidade do setor produtivo, mas na realidade brasileira, temos uma estrutura socioeconômica desequilibrada, onde a burocracia faz com tenhamos indivíduos inúteis ao longo do processo produtivo e que são o maioria dentro desta realidade, sem contar com o famigerado "Bolsa Família".
Assim, o que o Esopo não contava é a de que apareceria um tal de Marx da vida que disse e/ou, melhor, que dizem que este tenha dito: "que o bem estar da cigarra era mais importante que o da formiga". E, nesta história, quem define as leis (em benefício próprio) são as cigarras e como são em maior número se asseguraram de que este modelo continue até que ele por si só imploda (Morte de uma nação).
Um grande abraço.

Marco Tulio Lopes Serrano

Viçosa - Minas Gerais - Consultoria/extensão rural
postado em 06/03/2014

Fantástico Xico, fiquei impressionado por que aconteceu comigo, foi a realidade do meu carnaval, só que com o plantio da segunda safra. Continue assim, brilhante e escrevendo sobre o nosso meio, nos alegra e nos faz sentir valorizados.







DENILSON BORGHI

São José do Rio Preto - São Paulo - Indústria de insumos para a produção
postado em 07/03/2014

Caro Professor Xico Graziano, das aulas de "Economia Rural" de Jaboticabal...
Parabéns pelo artigo, que só pode ser escrito com a compreensão de quem vive intensamente o que faz!
Abraço.

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